O Brasil somava 1.924 mortos pelo novo coronavírus no dia 16 de abril, quando Luiz Henrique Mandetta deixou a chefia do Ministério da Saúde. No dia 15 de maio, com um saldo de 14 mil óbitos e 206 mil casos confirmados no país, foi a vez de Nelson Teich apear do cargo. Diante da franca disseminação da doença, a segunda demissão de ministro em menos de um mês levantou o temor justificado de um exército sem comando em meio à guerra. Um general assumiu interinamente a pasta, mas se antes a crítica era à pasmaceira do governo federal, agora ela se volta às estratégias que se desenham.
Durante o período em que esteve à frente do Ministério da Saúde, Teich nada fez. A inação foi condenada por prefeitos e governadores, que se ressentem da falta de coordenadas claras, e por congressistas, que saíram estarrecidos de reunião com o então ministro, pelas respostas evasivas. Antes que criasse protocolos nacionais, abandonou o barco por não aguentar a ideologização do combate à Covid-19 promovida pelo presidente Jair Bolsonaro, com a defesa inexplicável do uso amplo da cloroquina e do isolamento vertical, que não contam com qualquer embasamento científico.
Agora, quando o Brasil ultrapassa Itália e Espanha no número de contaminados e todas as piores previsões começam a se concretizar, era esperado que o país se alinhasse às boas práticas adotadas em outros cantos. No entanto, segue como uma das poucas nações negacionistas, ao lado de ditaduras. Com Estados enfrentando o colapso da saúde e do sistema funerário, o cenário que se desenha é de que, após a saída de dois ministros, será a ciência que vai desembarcar do Ministério da Saúde.
Bolsonaro nunca nem tentou disfarçar que é ele quem quer dar a palavra final no país. Dá uma suposta carta branca a ministros, mas emenda que tem poder de veto. Diz-se aberto a negociar com os entes subnacionais, ao mesmo tempo em que apedreja as medidas tomadas por governadores e prefeitos. A se confirmarem as possibilidades aventadas até o momento, a de que Eduardo Pazuello assuma oficialmente o ministério ou de que médicos que contam com o lobby bolsonarista ascendam ao posto, o presidente deve receber exatamente o que vem pedindo.
Em videoconferência com empresários na quinta-feira (14), Bolsonaro declarou que “exigia” a mudança do protocolo do ministério sobre a cloroquina. A expectativa é que ainda nesta semana a droga seja indicada para tratamento até mesmo dos casos leves da doença. Dezenas de pesquisas já apontaram que, além de não ter efeito para reduzir a mortalidade ou amenizar sintomas da Covid-19, a substância ainda pode causar complicações, como arritmia e hemorragia, e até levar à morte do paciente. A flexibilização do isolamento social também entrará na agenda, a exemplo da MP que liberou a abertura de academias e salões de beleza.
Em ambos os casos, no entanto, Bolsonaro pode bater na mesa e ser atendido prontamente por seu staff. Mas o mundo real funciona de maneira diferente. A cloroquina depende de decisão médica e aceite dos pacientes. O relaxamento da quarentena vai colidir em muro ainda mais firme, que é o reconhecimento, pelo STF, da autonomia de Estados e municípios para firmarem suas regras. Com isso, as ações do Ministério da Saúde sob a tutela do presidente poderão ser polêmicas, mas efetivamente inócuas.
Acuado pelas denúncias de Sergio Moro, por derrotas no STF e no Congresso e agora pelas acusações do empresário Paulo Marinho, Bolsonaro não vai admitir não poder interferir no Ministério da Saúde para fazer valer suas vontades. O peso que as decisões que serão tomadas terão sobre o avanço da pandemia no Brasil e sobre a trajetória do presidente logo serão conhecidos. Bolsonaro pode ser contra o isolamento social, mas parece se aproximar cada vez mais do isolamento político.
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