Dezembro de 2019. O novo coronavírus já fazia suas primeiras vítimas em Wuhan, na China, mas ainda não era notícia em escala global. A agora corriqueira palavra "pandemia", portanto, era apenas um verbete perdido no dicionário, sem uso prático. Enquanto isso, no Brasil, na esteira da aprovação da reforma da Previdência, colocava-se em pauta pela equipe econômica do Planalto a reforma do Estado, com a expectativa de um rearranjo estrutural que reduzisse privilégios e permitisse uma maior área de manobra na administração dos recursos humanos estatais.
Em retrospecto, fica evidente que uma reforma administrativa robusta aprovada com celeridade estaria facilitando o próprio enfrentamento da crise sanitária, diante da necessidade de cortes orçamentários no poder público, em um cenário no qual o PIB pode encolher até 7% e a queda das receitas no Espírito Santo, mesmo com ajuda federal, supera os 10%. Contudo, modernização do Estado brasileiro acabou postergada diante da pressão das categorias e engolida pelas sucessivas crises políticas e pela falta de articulação.
A inércia nesse encaminhamento tem suas consequências que se materializam no debate público capixaba na atualidade. Quando o secretário estadual da Fazenda, Rogélio Pegoretti, justifica os acordos firmados pelo governo Casagrande com Poderes e instituições para definir o corte nos repasses obrigatórios mensais do Tesouro Estadual como "o melhor possível para o momento", ele está justamente apontando esse estado de coisas. É o que dá para ser feito, diante das amarras legais que se impõem.
O Tribunal de Justiça, o Ministério Público e a Assembleia Legislativa reduzirão em até 4% o valor de seus orçamentos mensalmente, e o Tribunal de Contas, até 20%. A Defensoria Pública do Estado ainda está em negociação. Os índices acordados vão resultar em uma economia de R$ 70 milhões para os cofres públicos estaduais.
A questão é que o valor necessário do ajuste para suprir a baixa no caixa por conta das ações de enfrentamento ao novo coronavírus é de R$ 609 milhões. As perdas totais na arrecadação para 2020 chegam a R$ 3,4 bilhões no Estado, o que terá abatimentos com as transferências feitas pelo socorro da União, a suspensão da dívida e os cortes anunciados pelo próprio Poder Executivo. Portanto, a participação dos demais Poderes é quase irrisória diante do rombo.
A contribuição do TCES salta aos olhos, por ser um percentual significativamente maior que os demais. De acordo com reportagem de A GAZETA publicada nesta terça-feira (02), uma das razões dessa disparidade é o fato de as despesas dos outros Poderes estarem mais comprometidas com o gasto com pessoal.
Cortes nesse sentido só podem ser feitos com alterações na lei, o que poderia implicar na redução de salários, licenças e, por que não?, demissões. A estabilidade é garantida pela legislação, e mesmo que se mostre necessária em muitos casos, não deveria ser universal. O serviço público não pode continuar preso a essas amarras, e a pandemia está dando uma lição da forma mais dramática possível.
Em um contexto atípico, com prioridades bem desenhadas no âmbito da saúde pública e da economia, o aperto de cinto tem sido geral no setor privado. Já o poder público se encontra estagnado, sem poder de ação efetivo. O corte de gastos acaba sendo tímido mesmo na urgência, simplesmente porque não há legalidade para ações mais significativas.
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Há também resistências para a austeridade, mas é fato que a timidez da contribuição dos Poderes tem também raiz na legislação arcaica que rege a administração pública. A demora na reformulação do Estado brasileiro só produz mais atraso. É quando medidas enérgicas se fazem fundamentais que essa modernização estatal faz mais falta.
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