A sigla CPI, para muitos brasileiros, tem cheiro de pizza. Uma percepção nem sempre correta, que está ligada à própria essência de uma Comissão Parlamentar de Inquérito: uma CPI não manda ninguém diretamente para a prisão, ela tem caráter amplamente investigativo, com a produção de um relatório final que servirá de base para que as instâncias judiciárias possam, então, punir os possíveis culpados. Uma CPI também pode recomendar cassações e mudanças na lei ao próprio Legislativo.
Nos âmbitos estadual e municipal, os parlamentares também têm à mão esse recurso investigativo, com regimentos próprios. Na Assembleia Legislativa do Espírito Santo, segundo reportagem publicada por este jornal, foram instaladas 41 CPIs desde a democratização. Dessas, nove foram arquivadas sem qualquer resultado, nem mesmo um relatório final. Cinco estão atualmente em funcionamento. As demais promoveram recomendações e encaminhamento de provas e depoimentos para órgãos externos, como o Ministério Público, mas só algumas foram judicializadas.
São caminhos similares a esses, no nível federal, que poderão ser resultado da CPI da Covid, instalada na semana passada no Congresso para investigar a eficiência da resposta brasileira à crise sanitária, sobretudo os atos do governo federal. As 400 mil mortes atingidas na última quinta-feira (29) são o fato mais trágico, principalmente por serem passíveis de comparação com os óbitos causados pela Covid-19 em outros países.
Para se avaliar a responsabilidade do governo federal, são necessários parâmetros. A leniência na negociação das vacinas, a falta de uma coordenação com Estados e municípios, o estímulo e o investimento em medicamentos sem eficácia comprovada, a negligência com medidas comportamentais eficientes e a má gestão da infraestrutura hospitalar estarão no centro da investigação. Ex-ministros da Saúde deverão ser chamados a depor.
Com uma atuação rigorosa, a CPI da Covid pode ser efetiva, mesmo que a ampliação do escopo, com a inclusão por parte da base governista da apuração das possíveis irregularidades no uso dos recursos da União pelos Estados, Distrito Federal e municípios.
As CPIs em funcionamento atualmente no Espírito Santo sinalizam o que distingue um colegiado com potencial de atingir seus objetivos daqueles que podem estar fadados ao fracasso. A falta de objetivos bem delineados e de um fato relevante que tenha mobilizado a sua criação acabam tornando os trabalhos dispersos e provocando prorrogações que, por si só, já são um demonstrativo da ineficiência. Na Assembleia, são permitidas cinco CPIs síncronas, com a brecha recente que permite ao presidente da Casa passar desse limite.
Atualmente, as cinco comissões em andamento na Assembleia - CPI da Sonegação, CPI da Licença, CPI das Obras Públicas e Privada, CPI dos Crimes Cibernéticos e CPI para apurar maus-tratos com animais - pecam por essa dispersão, sem que se faça aqui um questionamento sobre o mérito da existência de cada uma delas. Fato é que, nos últimos 20 anos, não houve CPIs que provocassem tensões entre o Legislativo e o Executivo estadual, como é o caso atual da CPI da Pandemia no nível federal.
Há de se buscar o caminho do bom senso, nem sempre possível quando demagogia ou necessidade de blindagem falam mais alto. A instalação de CPIs vazias de sentido contribui para a desmoralização desse importante mecanismo investigativo, que tem a força de mobilizar o legislativo em torno de grandes temas.
A criação da CPI da Covid não pode ser somente instrumento de pressão política. Pelo momento crítico que o país atravessa no enfrentamento da pandemia, ela pode ser crucial para uma mudança que tire o Brasil do centro dessa tragédia. Tem, portanto, uma importância ímpar na história recente brasileira.
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