A banalidade do mal não é representada somente pelo ato de um bandido que atira na cabeça de um pedreiro que já não esbanjava mais reação durante um roubo, mas também por uma sociedade que assiste à recorrência dessa barbárie e, por mais que se indigne e lamente a tragédia, permanece absorta. O assassinato de Josias dos Passos Lírio, de 53 anos, após reagir a um assalto a uma distribuidora de bebidas ao lado de sua casa, em Jardim Bela Vista, na Serra, na noite de sexta-feira (23), não é o primeiro e tampouco será o último ocorrido em contexto tão abjeto, com a vida humana perdendo qualquer vestígio de relevância para quem a tira.
A marca da violência já estava presente na história da família da vítima. No ano passado, o filho dele, Andrel Martins Lírio, 24 anos, foi executado em um campo de futebol no mesmo bairro da Serra. O jovem, que trabalhava como ajudante de carga e descarga, estava com um grupo de amigos quando dois atiradores desceram de um veículo e abriram fogo. Foram mais de 50 tiros. Mais uma demonstração da audácia de bandidos que não encontram obstáculos, morais ou criminais, para seguirem com sua carnificina.
O fim de semana ainda teve mais um episódio de atrocidade. Na madrugada de domingo, duas pessoas foram assassinadas no bairro Prolar, em Cariacica. Enquanto o corpo de um homem foi encontrado no quintal de uma casa, durante a manhã, pela proprietária do imóvel, o cadáver de uma mulher estava dentro do porta-malas de um carro estacionado em frente à residência. A investigação apontou que se tratava de um casal que estava se conhecendo, em uma relação que ainda não era um namoro. As circunstâncias da morte são chocantes.
Vale voltar aos episódios violentos recentes em Vitória, da chacina na ilha próxima ao bairro Santo Antônio, no fim de setembro, à execução em plena luz do dia no Centro de Vitória, uma semana depois. A prisão do terceiro suspeito de envolvimento na chacina ocorreu na noite do último domingo (25), na região de Porto Novo, em Cariacica. Mas não sem que houvesse perseguição e confronto com registro de tiros, mostrando que a lei não consegue se impor nem quando se está diante de seus agentes.
Sobre o crime na distribuidora de bebidas, a imagem do pedreiro sendo alvejado sem piedade pelo assaltante serve como um emblema lamentável da falta de humanidade, que encontra respaldo em um Código Penal e em uma Lei de Execuções Penais pouco eficientes na capacidade de reprimir a ação de bandidos, tampouco os mais cruéis. O pacote anticrime, apresentado pelo governo federal e aprovado pelo Congresso no ano passado, mudou a letra da lei em diversos pontos, inclusive aumentando o tempo máximo de reclusão no país de 30 para 40 anos.
Mas a questão da impunidade não perde terreno e causa ainda mais comoção em casos nos quais a covardia dos criminosos fica mais evidente. A Lei dos Crimes Hediondos completou 30 anos neste ano, uma oportunidade de o legislador buscar formas de aperfeiçoá-la para que tenha algum efeito na capacidade de repressão do Estado. Os desafios sociais são dinâmicos, sobretudo na área de segurança pública, e devem pautar as revisões possíveis dentro do Direito Penal.
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Sempre com a convicção de que não se trata de prender mais, mas de prender melhor. Homicidas como o do crime da distribuidora de bebidas merecem punição exemplar, com regime fechado por tempo considerável. Contudo, os famosos "ladrões de galinha" não podem receber o mesmo tratamento. O Brasil precisa aprender a prender com qualidade, ou as penitenciárias seguirão servindo como universidades do crime. Bandidos precisam temer a lei, não se especializar em dominá-la.
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