Crise de venezuelanos em Vitória ressalta falha na política para refugiados no país

Transporte de indígenas refugiados de Teixeira de Freitas para Vitória, sem comunicação oficial, mostra descaso e amadorismo da prefeitura baiana que acabam por deixar ainda mais vulnerável quem precisa de apoio ao fugir do próprio país

Publicado em 18/08/2022 às 02h03
Warao
Grupo de refugiados venezuelanos abandonados em Vitória. Crédito: Vitor Jubini

Foi no ano passado que o Espírito Santo travou o primeiro contato com venezuelanos da etnia Warao, em Guarapari e Vila Velha. O impacto do desembarque das 25 pessoas vindas de Teixeira de Freitas, no Sul da Bahia, na madrugada desta terça-feira (16), em Vitória teve mais relação com a forma como se desenrolou do que com o ineditismo da presença desse grupo no Estado.

Os indígenas, que compõem um grupo familiar formado por crianças, adultos e idosos, chegaram à Capital em um ônibus patrocinado pela prefeitura da cidade baiana, sob circunstâncias questionáveis não só do ponto de vista humanitário quanto gerencial.

Em entrevista ao ES 1 da TV Gazeta, o secretário de Assistência Social de Teixeira de Freitas, Marcelo Teixeira, confirmou que não fez a comunicação à Prefeitura de Vitória sobre o envio dos venezuelanos, que foram deixados ao relento na região da rodoviária na calada da noite. A falta de um contato prévio foi um erro inegável da prefeitura baiana. No que diz respeito à assistência social, evidenciou-se um despreparo institucional para  lidar com uma população vulnerável, em situação de risco.  E, no âmbito da gestão, ficou gritante a falta de respeito com a administração municipal de Vitória.

Há muitos relatos em todo o Brasil, nem sempre confirmados, do envio de moradores de ruas de cidades pequenas para grandes centros urbanos, custeado pelas próprias prefeituras. Operações realizadas na surdina, também sem qualquer comunicação entre as administrações municipais. De forma alguma se menospreza o drama, cada vez mais engrossado pelo aumento da pobreza, da população de rua brasileira, mas é fato que a mesma situação, agora com refugiados, deu um relevo diferente ao episódio.

Brasil tem uma legislação considerada moderna para os refugiados, assim caracterizados aqueles que buscam segurança em outros países devido à perseguição e violação de direitos humanos em sua terra natal. No território nacional, o refugiado tem direito a documentos e pode trabalhar, estudar e exercer os mesmos direitos civis que qualquer cidadão estrangeiro em situação regular no Brasil. Desde 2017, a nova Lei de Migração instituiu o visto temporário para acolhida humanitária.

Foi justamente no ano de aprovação da lei, em 2017, que houve o maior fluxo de imigrantes venezuelanos no país, a partir da fronteira com Roraima. De janeiro de 2017 a março de 2022, o Brasil recebeu 325 mil venezuelanos que permaneceram no país. Esse movimento motivou o governo federal a conduzir a partir de abril de 2018 uma estratégia de interiorização dessas pessoas. Até dezembro do ano passado, de acordo com a Agência da ONU para Refugiados (Acnur), 60 mil venezuelanos foram alocados, em adesão voluntária, em 730 municípios do país. O objetivo é realizar a integração socioeconômica desses refugiados.

Essa ação organizada em nível nacional é louvável, mas o episódio desta semana em Vitória, além de expor as nuances específicas desse grupo indígena, que envolvem questões que vão da língua à cultura, mostrou que falta integração entre as políticas públicas no âmbito federal destinadas aos refugiados e a realidade de Estados e municípios.

Vale a ressalva de que se trata de um tema novo, sobretudo para cidades tão distantes das fronteiras brasileiras quanto as localizadas no Espírito Santo.  Mas com o aumento das tensões internas dos países e as consequentes movimentações populacionais, governos estaduais e municipais precisam estar mais preparados, com conhecimento da legislação e capacidade de movimentar redes de apoio emergenciais. No caso da prefeitura de Teixeira de Freitas, o comportamento pode ser considerado desumano, ao transferir as responsabilidades para outra cidade sem nem sequer dialogar com a Prefeitura de Vitória. 

O caso do transporte de indígenas refugiados de Teixeira de Freitas para Vitória, sem comunicação oficial,  mostra um amadorismo da prefeitura baiana que inevitavelmente se transforma em descaso. O Ministério Público Federal considerou irregular a solução adotada pela administração baiana e vai apurar o caso.

As leis que amparam os refugiados não podem ficar somente no papel: é nas cidades que recebem essas pessoas que elas podem se mostrar eficientes, para não deixar ainda mais vulneráveis quem precisa de apoio ao não encontrar segurança no próprio país. O alinhamento entre as esferas federal, estadual e municipal é o que vai fazer a diferença.

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