Enquanto a previsão do mercado financeiro para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) subiu, novamente, de 8% para 8,25% neste ano, quem vai às compras no supermercado tem sentido no bolso o peso da carestia desde o ano passado. As elevações subsequentes do índice oficial da inflação no país corroboram o que se testemunha no dia a dia e provocam uma mudança no comportamento dos consumidores, que passaram a substituir itens alimentícios ou, no pior dos casos, a cortá-los da lista de compras.
Uma pesquisa do Datafolha realizada de 13 a 15 de setembro expõe em números o quanto a inflação em 2021 tem mudado aquilo que vai à mesa dos brasileiros. E o percentual é alto: 85% dos entrevistados afirmam ter reduzido o consumo de algum produto desde o início do ano, sendo os mais citados a carne de boi (67%), refrigerantes e sucos (51%), laticínios (46%) e pães (41%).
É um retrato de um país que está precisando fazer sacrifícios para garantir a alimentação. Itens básicos como arroz (34%), feijão (36%) e macarrão (38%) também estão sendo menos consumidos. Mas, por serem mais difíceis de serem substituídos, a redução é em uma escala menor.
Os cortes na lista não estão afetando somente os mais pobres. A pesquisa aponta que, por faixa de renda, os percentuais são altos mesmo nas famílias que recebem mais dez salários mínimos: 67% relatam ter cortado algum item alimentício. Mas é de fato nas camadas mais baixas que o impacto da inflação é escandaloso: na faixa da população com até dois salários, 88% das pessoas estão fazendo ainda mais restrições. Se já não era fácil, o tombo do poder de compra tem tornado as escolhas ainda mais duras.
No esquema das substituições, o ovo vira a proteína principal. Na pesquisa, 50% afirmaram ter aumentado o seu consumo. Enquanto a carne de boi se transforma em um item de luxo, o frango e o porco ganham espaço. Mas o que tem chamado atenção é o consumo de partes mais baratas como o pé de galinha e a moela, visto que o frango também encareceu.
"Dizem que pé de frango faz bem para os ossos, mas eu digo que faz bem para o bolso", sentenciou a cozinheira Irene Moreno, de Sorocaba, em reportagem do Estadão Conteúdo. São cortes apreciados por muitas pessoas, inclusive chefs de cozinha, mas a questão é quando não se trata de uma escolha por gosto, mas por falta de dinheiro. E é essa a situação de tanta gente.
Como nas imagens divulgadas, há dois meses, de uma fila em um açougue de Cuiabá, no Mato Grosso, formada para o recebimento de ossos. Fila que reuniu pessoas em dificuldades financeiras graves, que viram naquela doação a possibilidade de colocar um pouco de carne na panela, para garantir o sustento da família.
Dados de 2020 da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Penssan) mostram que há 19 milhões no país em situação de fome. A insegurança alimentar ganha espaço em um país no qual o desemprego atinge 14 milhões de pessoas.
As incertezas dominam o cenário econômico nacional. A OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) divulgou nesta terça-feira (21) uma projeção de que a inflação no Brasil deve ficar entre as maiores do mundo em 2021, considerando um grupo de cerca de 20 economias. Pelas perspectivas, o país só ficará atrás da Turquia (17,8%) e da Argentina (47%).
A inflação é multifatorial, envolvendo variações no câmbio, flutuação das commodities, aumento da exportação. E obviamente a pandemia bagunçou tudo. É preciso começar a arrumar a casa de forma categórica e ordenada, é uma prioridade. O preço que se paga pela inércia é o crescimento da miséria.
Os ajustes na economia familiar expõem as dificuldades compartilhadas pelos brasileiros, mas não é preciso muito esforço para saber que há uma parcela da população mais prejudicada pela inflação. As desigualdades na paisagem inflacionária ficam mais evidentes e exigem uma reação articulada. A dificuldade de se colocar comida na mesa é uma desumanidade que jamais poderia ser naturalizada.
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