
O episódio das doze pessoas em situação de rua que foram levadas em um micro-ônibus da Prefeitura de Cabo Frio, no Rio de Janeiro, e deixadas em Linhares, no Norte do Espírito Santo, na semana passada, precisa servir de exemplo a todos os municípios sobre o que não pode ser encarado, de forma alguma, como solução para tratar desse problema social que afeta os centros urbanos do país.
A afirmação da defensora pública Cristiane Xavier de Souza, do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos do Rio de Janeiro, em entrevista ao Bom Dia Brasil, da TV Globo, deu a dimensão correta desse absurdo: “Não podemos exportar pessoas em situação de extrema vulnerabilidade social”. Pessoas não são coisas ou mercadorias, que podem ser trocadas ou descartadas.
A Prefeitura de Cabo Frio informou que, ao contrário do relato dos doze passageiros, não houve qualquer promessa de emprego ou moradia por parte da administração pública. Em nota, afirmou que eles "manifestaram desejo de buscar oportunidades de trabalho na colheita de café" e "cada pessoa atendida assinou um relatório individual, confirmando a solicitação voluntária para o deslocamento". Nessas circunstâncias, a Prefeitura de Linhares não deveria ter sido comunicada?
Já o pedreiro Júlio César Freire, uma das doze pessoas deixadas em Linhares, disse ter sofrido pressão. “Um representante da Casa de Passagem, da Prefeitura de Cabo Frio, falou que tinham ganhado dinheiro na colheita do café. Fizeram a gente assinar o documento. Nós não lemos. Eles disseram que se não assinássemos, iríamos ficar na rua", relatou à TV Gazeta. Ele acrescentou que acreditou que não teria nada a perder, porque queria mudar de vida. Ao chegar a Linhares, não havia trabalho, tampouco qualquer orientação sobre como proceder.
O que de fato aconteceu precisa ser devidamente apurado, o Ministério Público do Espírito Santo (MPES) e o Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) estão juntos para conseguir essas respostas. Um ônibus foi enviado pela Prefeitura de Cabo Frio para levar as pessoas de volta, mas isso não encerra a questão. Principalmente quando fica uma dúvida: quantas outras cidades deste país talvez não usem desse tipo de subterfúgio para descartar pessoas bem longe de seus limites municipais? Isso não pode ser aceito como política pública, de forma extraoficial, para tratar de um problema tão sério.
Tudo leva a crer que os passageiros deixados em Linhares queriam mesmo trabalhar, o que já é o primeiro passo para tirar alguém das ruas. Oportunidades são o principal caminho e, em um país com tantas desigualdades, elas fazem brilhar os olhos de quem está completamente desamparado e sem perspectivas.
Mas não é só a falta de trabalho que leva as pessoas às ruas, é um problema multifatorial, de difícil solução. Os dramas são múltiplos. Não se ignora aqui também os impactos na segurança pública, com furtos, roubos e invasão de propriedade praticados por moradores de rua, na maioria das vezes para bancar o vício em drogas.
Mas não se pode generalizar, e é isso que torna um problema de difícil solução, o que não signfica que se deve desistir de buscar saídas. É por isso que políticas públicas que acolham com dignidade quem está nas ruas são obrigatórias. Essas pessoas não podem ser descartadas, levadas de um canto ao outro, sem se considerar o drama social que vivem.
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