A frustração imposta pela decisão do ministro Alexandre de Moraes de impedir a posse de um amigo do clã Bolsonaro na diretoria-geral da Polícia Federal não fez cessar a prepotência do presidente. Na noite desta quarta-feira (29), Jair Bolsonaro, que acredita que a presidência o colocou em uma espécie de olimpo, não poupou na arrogância e soltou um "quem manda sou eu" ao comentar a decisão da Advocacia-Geral da União de não recorrer ao Supremo para anular a decisão liminar divulgada mais cedo.
Tanto que, durante a posse do novo ministro da Justiça — um evento inoportuno que lotou um salão, com grande parte das pessoas sem máscaras, no mesmo dia em que mais 449 mortes por Covid-19 foram registradas no Brasil —, Bolsonaro reforçou que não desistirá de Alexandre Ramagem no cargo. Já até usa a palavra "ingerência" com intimidade, sem nenhum pudor de disfarçar as próprias intenções. Age como uma criança mimada, que ignora qualquer limite. O problema é que essa criança ocupa o cargo mais alto da República.
Contudo, a presidência, à qual foi alçado pelo voto popular, dentro dos ritos democráticos, não lhe dá o poder supremo. Os flertes autoritários de qualquer mandatário eleito nessas bases institucionais são inviabilizados pelo sistema de freios e contrapesos que está na espinha dorsal da democracia. Alexandre de Moraes cumpriu esse papel ao se colocar diante de Bolsonaro e seu propósito. Mesmo que a nomeação da cúpula da Polícia Federal esteja entre as atribuições do chefe do Executivo, disso ninguém discorda, a nomeação de Ramagem fere os princípios de impessoalidade, moralidade e interesse público explícitos na Constituição.
A Polícia Federal é um órgão de Estado, não existe para servir a interesses pessoais de quem ocupa o Planalto. O que garante a sua imparcialidade é justamente a sua autonomia. Filhos do presidente devem ser investigados como qualquer cidadão suspeito de ilícitos, não há prerrogativa. Basta lembrar a Lava Jato: o país aceitaria qualquer ingerência da presidente Dilma Rousseff para blindar seus aliados? O que vale para um, vale para todos.
Bolsonaro abusa da dissimulação, porque sabe que o discurso da perseguição ainda encontra eco entre seus apoiadores. Consegue justificar que um amigo na Polícia Federal equivale a alguém de confiança no lugar certo, sem que isso soe como uma afronta a princípios básicos da administração pública.
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A estratégia não é nova, ainda vive na memória o episódio da tentativa de impor Eduardo Bolsonaro na Embaixada dos Estados Unidos. Mas entre os anseios autoritários de Bolsonaro e a concretização deles há uma barreira maciça, erguida a duras penas, e justamente por isso tão cara à sociedade. As instituições democráticas mais uma vez se mostraram sólidas. O presidente pode espernear o quanto quiser, mas não conseguirá dobrá-las. Bolsonaro, como presidente, pode muito, mas não pode tudo, é bom sempre repetir. O poder é sempre sedutor, mas é na compreensão de seus limites que se formam os grandes líderes.
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