É sempre uma ironia: o parlamentar Eduardo Bolsonaro, ao defender um novo AI-5, mesmo que condicionado a uma hipotética “radicalização da esquerda”, aniquila a sua própria condição de representante do povo. A imposição de qualquer medida similar ao Ato Institucional número 5, decretado em 13 de dezembro de 1968, inviabiliza o menor sopro de democracia. A função pública do deputado não teria qualquer relevância.
Eduardo chegou a se desculpar pela polêmica entrevista à jornalista Leda Nagle, mas pelos motivos equivocados. “Eu peço desculpas a quem porventura tenha entendido que estou estudando o retorno do AI-5 ou achando que o governo, de alguma maneira, estaria estudando qualquer medida nesse sentido. Essa possibilidade não existe. Agora, muito disso é uma interpretação deturpada do que eu falei”, justificou.
O que o filho do presidente Jair Bolsonaro não compreende é que o mero vislumbre autoritário é suficiente para mexer em feridas ainda não cicatrizadas da história brasileira. O AI-5 fez o Brasil virar as costas para o Estado democrático de Direito, impedindo que vozes opositoras tivessem acesso a garantias fundamentais em sociedades democráticas, como o habeas corpus e a exigência de mandados judiciais para prisões.
O aparelhamento do Estado fundamentou a cassação de mandatos de parlamentares e aumentou os poderes do presidente, provocando um desequilíbrio institucional que perdurou pelos seus dez anos de vigência.
Na terça-feira, ao discursar na Câmara, o deputado já havia feito ameaças com possíveis leituras antidemocráticas ao dizer que não toleraria protestos populares como os do Chile no Brasil. “A gente vai ver a história se repetir”, bradou. Fica quase impossível não fazer uma associação imediata com a fala do AI-5.
A paranoia comunista é o motor das bravatas. Na entrevista, Eduardo afirma que “vai chegar um momento em que a situação vai ser igual a do final dos anos 60 no Brasil, quando sequestravam aeronaves, quando executavam-se e sequestravam-se grandes autoridades, consules, embaixadores, execução de policiais, de militares”. Uma afirmação que soa como um delírio. O país tem problemas imediatos, enquanto o filho do presidente fantasia sobre uma possibilidade tão remota. Precisa urgentemente de um choque de realidade.
O clã Bolsonaro tem dificuldade de encarar o contraditório como uma das premissas da democracia, colocando todas as críticas no mesmo balaio ideológico. O presidente Bolsonaro, só para citar a medida mais recente, acabou de cancelar todas as assinaturas da Folha de S.Paulo do governo federal, uma represália à atuação do jornal na cobertura do seu mandato.
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Eduardo Bolsonaro tem um mandato a zelar e deveria se comprometer com o bom andamento do governo do próprio pai. Seus flertes autoritários têm uma recorrência inaceitável, pelo papel republicano que cumpre. Além de se desculpar, deveria exercer o autocontrole. O mínimo que se espera de alguém que se disse preparado para a diplomacia.
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