O decreto presidencial que por menos de 24 horas autorizou o Ministério da Economia a realizar estudos sobre a inclusão das unidades básicas de saúde (UBSs) no Programa de Parcerias de Investimentos da Presidência da República (PPI) foi mais uma das decisões atabalhoadas do governo Bolsonaro.
Não necessariamente pelo mérito da proposta, mas pela contumaz falta de diálogo com a sociedade, pega de surpresa. E aqui vale ressaltar que a incapacidade de um debate qualificado no Brasil atual não parte somente do governo, mas também dos setores sociais que articulam a oposição.
Tanto a ação quanto a reação cometem seus pecados. No caso do Planalto, por promover ostensivamente o desmonte dos espaços deliberativos que fundamentam a própria democracia. Não faz muito tempo, em fevereiro deste ano, o presidente Jair Bolsonaro excluiu a sociedade civil do conselho do Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA), também por meio de decreto.
É só um exemplo que mostra o risco de um estudo como o determinado pelo decreto não envolver todos os atores sociais diretamente interessados na gestão da saúde. Quem desenvolve um diagnóstico dessa importância? Economistas e/ou gestores da saúde? Somente os aliados? Fica a desconfiança, diante de um governo que não consegue lidar nem mesmo com um ministro da Saúde que priorize uma gestão técnica.
Do outro lado, os discursos opositores tampouco saem do lugar. São discordâncias sempre categóricas, sem permitir que o bom senso enverede a conversa para algum denominador comum benéfico para o país. O Brasil está no fundo do poço, e essa situação também se deve ao deserto de ideias no qual se transformou o debate público nacional, simplesmente porque ninguém se ouve. Propostas são refutadas de antemão sem que ao menos cheguem a ser explicadas. O efeito colateral é um silenciamento forçado pela autocensura, e é a sociedade que sai perdendo.
Quando apresenta, subitamente, um decreto que, na essência, abre espaço para novas formas de financiamento daquelas que são a porta de entrada no SUS, onde o cidadão recebe atenção primária ou básica em saúde, o governo tão disfuncional quanto o atual parece mais sorrateiro do que preocupado com a origem do dinheiro para bancar a saúde pública, uma garantia constitucional. Mas será que é um tema que nem sequer pode ser debatido?
Até porque não se fala em privatização do SUS. E é nessa comunicação que o governo também derrapa. Só depois do estrago feito, o próprio ministro Paulo Guedes, em audiência da Comissão Mista da Covid-19 do Congresso Nacional nesta quinta-feira (29), enfatizou que o decreto não trata de colocar a saúde pública à venda. "Seria um contrassenso falar em privatizar o SUS. O SUS é uma rede descentralizada de atendimento à saúde pública. Falar sobre as privatizações seria uma insanidade". Contudo, quem se opõe ao governo jamais confiará na palavra de um ministro liberal.
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E nessa guerra de narrativas rasas, o país se imobiliza. Sem debate não há construção possível, não há projeto de Brasil. A paixão e a raiva não podem continuar ocupando o lugar da racionalidade: as propostas precisam vir à tona, para serem analisadas e, posteriormente, aceitas ou descartadas. Só com um debate de qualidade e franco se evolui como nação. O episódio do decreto, com toda a polêmica gerada, é mais uma situação na qual se perdeu uma oportunidade de diálogo. E só há o que se lamentar.
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