A queda de 1,5% do PIB brasileiro no primeiro trimestre divulgada na última semana é a ponta do iceberg. A cada revisão de indicadores, ficam mais nítidas tanto a profundidade da crise econômica que o Brasil atravessará em decorrência da pandemia do novo coronavírus, quanto a necessidade de um plano consistente para retirar o país da depressão que se anuncia. Árduo defensor da retomada, o presidente Jair Bolsonaro tem uma missão hercúlea à frente. Em vez de dispersar energia em bravatas com governadores e prefeitos, precisa assumir o leme das ações que competem ao governo federal se não quiser que o país afunde como o Titanic.
O recuo do PIB entre janeiro e março já é ruim, mas não é nada se comparado às projeções para o segundo semestre, quando o avanço da Covid-19 impôs a paralisação das atividades. Analistas situam o tombo na casa dos dois dígitos, chegando a 15%. Para o ano, por enquanto, a previsão é de um encolhimento de 6,25%. Pela primeira vez na série estatística, que vem desde 1901, o Brasil romperá a casa dos 5% de retração.
Se o Brasil já lutava para sair do atoleiro em que se enfiou no biênio 2015-2016, no cenário pós-pandemia a deterioração do ambiente de negócios, dos indicadores de renda e de desigualdade social será ainda mais profunda e exigirá ações mais enérgicas e orquestradas, para equalizar as discrepâncias regionais. Se cabe debate sobre qual deve ser exatamente o papel que o Estado deve desempenhar, não há dúvidas sobre o protagonismo que as políticas públicas terão na retomada. E é sobre a elaboração desse plano que o Planalto deveria estar debruçado.
Até o momento, o governo federal tem negligenciado sua tarefa. No curto prazo, as medidas para salvaguardar negócios e renda mostraram-se acertadas na teoria, mas precárias na prática. O auxílio emergencial ainda não chegou às mãos de milhões de brasileiros, enquanto micro, pequenas e médias empresas sofrem com a burocracia para ter acesso a linhas de crédito. Sem garantias do Executivo para destravar financiamentos, a capacidade de recuperação do país ficará seriamente comprometida, já que esses negócios concentram a maior parte dos postos de trabalho. Quase cinco milhões de vagas sumiram entre fevereiro e abril e esse número continua subindo.
No médio e longo prazos, há apenas esboços de ações. E elas são essenciais, já que as previsões são de que, passada a pior fase, o Brasil terá uma curva sutil de crescimento, sem conseguir retornar ao cenário pré-pandemia antes de 2022. Com os gastos públicos inchados para mitigar os impactos mais imediatos da crise, resta óbvio que o país precisa se esforçar para atrair investimentos privados.
O Ministério de Infraestrutura acenou com a manutenção do calendário de desestatizações, que poderia atrair cerca de R$ 150 bilhões. Setores como transporte, saneamento e energia certamente se beneficiariam com concessões e privatizações, gerando empregos e desenvolvimento. Mas talvez essa estratégia resuma como nenhuma outra a amplitude da tarefa que o Executivo nacional tem pela frente e que não está cumprindo. Pelo contrário, vem sabotando.
Não basta ter um bom plano – e as parceria público-privadas são. É preciso também promover o diálogo com o Congresso, para a aprovação dos projetos, e transmitir segurança ao capital estrangeiro, para não derrubar o preço dos ativos. A deterioração do ambiente político, engendrada pelo próprio presidente em seus ataques constantes a parlamentares, ao STF e aos entes subnacionais, tem atrapalhado enormemente, quando não impedido, a negociação de uma agenda coesa e substancial para salvar o país dos seus piores dias.
O mundo inteiro está sendo afetado pela onda de choque do coronavírus. Logo, abrir as portas das fábricas e das lojas, como quer o presidente, não salvará milagrosamente o Brasil da crise. O país sofrerá com a queda na demanda externa, que terá impactos nas exportações, e com a queda brusca no preço do barril de petróleo, apenas para citar alguns fatores cruciais que estão sendo deixados de fora da equação. Há obstáculos internos e externos gigantescos.
Na última das suas lives em uma rede social, na quinta-feira (25), como em outras ocasiões, Bolsonaro afirmou que “a fome também mata” e pediu “que os prefeitos aí ajam de forma racional”. Pois bem. A imperícia na coordenação de planos nacionais de enfrentamento à pandemia, a imprudência de dilapidar capital político essencial à aprovação de medidas emergenciais e a negligência de dinamitar o poder de atração do país a investimentos que poderiam ajudar a guiar o país para fora da crise também matam. Em vez de apontar o dedo, o presidente precisa silenciar conflitos e ouvir a voz da razão.
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