A segunda-feira (29), que começou com o pedido de demissão de Ernesto Araújo, terminou com a primeira reforma ministerial do governo Bolsonaro, a toque de caixa, mas nitidamente desenhada para ceder às pressões do Centrão, que se avolumaram na última semana com o presidente da Câmara, Arthur Lira, passando a ser mais veemente nas cobranças por mais competência governamental no combate à pandemia, diante de um Jair Bolsonaro insustentavelmente refratário.
A permanência do demissionário ministro das Relações Exteriores era insustentável, e não só devido aos últimos acontecimentos. O desentendimento público com a senadora Katia Abreu e as manobras retóricas para provocar constrangimento no Senado, previamente antipático à sua conduta no cargo, foram a pá de cal em uma gestão catastrófica para a diplomacia brasileira. Com reveses incontestáveis nas relações internacionais em um momento no qual o Brasil necessariamente deveria se sentar à mesa para agilizar a aquisição de vacinas e insumos, e não criar rusgas ideológicas para provocar o isolamento do país em um contexto tão trágico.
Inocentemente, chegou-se a acreditar que a chegada de Joe Biden à Casa Branca amansaria o Itamaraty, que adotaria condutas menos heterodoxas, com a derrota do aliado Donald Trump. Mas Ernesto Araújo permaneceu como o mais fiel dos representantes da ala ideológica no governo federal. Estrategicamente instalado no Itamaraty, onde os devaneios "bolsolavistas" puderam se concretizar no antiglobalismo, um cenário perfeito para a guerra cultural tramada por Olavo de Carvalho, hoje rompido com Bolsonaro, mas ainda presente nas ideias que rodeiam o setor mais radicalizado do governo.
Para o ocupar o posto de Ernesto, Bolsonaro escolheu o embaixador Carlos França, ex-chefe do Cerimonial do Planalto, uma indicação do filho do presidente, Eduardo. A inexperiência do diplomata falou menos do que a resistência do Congresso em aceitar o nome de Luis Fernando Serra, embaixador do Brasil em Paris, considerado linha-dura para o cargo. Já o perfil de Carlos França é considerado mais conciliador, o que por si só não será capaz de reverter os estragos institucionais do antigo titular da pasta. Principalmente porque deve continuar à sombra de Eduardo Bolsonaro, o chanceler extraoficial da diplomacia brasileira.
Carlos França vai encarar o desafio de reconstrução das relações exteriores brasileiras com o propósito de permitir acordos que beneficiem a nação, como a escolha da tecnologia 5g, e de colocar o país novamente mais próximo dos círculos decisórios internacionais; se essa for a verdadeira disposição de um governo que se encontra numa encruzilhada.
Jair Bolsonaro tem sido emparedado pelo Centrão, do qual depende politicamente, ao mesmo tempo que precisa sustentar sua base ideológica, desgastada por perdas simbólicas e concretas. A cada provocação feita à China, as relações comerciais entre os dois países são colocadas à beira de um precipício.
Ironicamente, o segundo movimento mais importante desta segunda-feira de dança das cadeiras foi a demissão do ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva. Para buscar o entendimento com o Centrão, Bolsonaro não poupou os dois setores que se antagonizam no seu governo: a ala militar e a ideológica. Mexeu em seis pastas e conseguiu selar a paz com Arthur Lira, com indicações de nomes próximos ao presidente da Câmara. O alívio da retirada de cena de Ernesto Araújo pode, portanto, ser ilusório ou apenas momentâneo. Sobretudo por ter sido uma decisão que passou a léguas da convicção.
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