Como tem acontecido ao longo da pandemia, Estados têm se virado como podem diante da pasmaceira e do terraplanismo do governo federal, que criticou medidas de restrição para controlar o avanço do vírus, apagou post que pregava cuidados de higiene, deixou testes vitais encalhados, desperdiçou dinheiro público com remédios comprovadamente ineficazes e, agora, patina na aquisição de vacinas.
Diante do vácuo de gestão do governo federal. O Espírito Santo, por exemplo, já adquiriu agulhas e seringas — uma das lacunas na logística do Ministério da Saúde. Também já iniciou conversas com os laboratórios Pfizer e Moderna sobre a possível compra de vacinas, como informou o governador Renato Casagrande durante o Vitória Summit, evento realizado pela Rede Gazeta na semana passada. O governo do Espírito Santo ainda aguarda posicionamento do Planalto, mas o movimento de antecipar tratativas com as farmacêuticas é correto, para que não se corra o risco de ver o novo coronavírus avançar meses a fio sem imunizante. O Ministério da Saúde precisa marcar uma data-limite para sua resposta, porque Estados não podem ficar indefinidamente à espera de plano nacional. A cada dia de atraso, cerca de 20 capixabas morrem vítimas da doença.
No dia 1º de dezembro, ao apresentar o plano de imunização para a Covid-19 no Brasil, que se restringiu a um rascunho dos grupos prioritários, o Ministério da Saúde descreveu o perfil ideal para a vacina. Além dos óbvios tópicos de segurança e eficácia, o governo incluiu a possibilidade de uso em todas as faixas etárias e grupos populacionais, a proteção em dose única, baixo custo de produção e capacidade de armazenamento entre dois e oito graus. Está nítido que o país sonha com a perfeição, enquanto a realidade bate à porta.
Diante da própria falta de planejamento, o governo federal empurra para março o início da vacinação. Mas expectativas mais realistas apontam que o país não será capaz de implementar uma campanha ampla no primeiro semestre, justamente porque ainda não garantiu nenhuma vacina. Esse vácuo de estratégia bate de frente com o avanço da pandemia no Brasil, que já ultrapassa a marca dos 175 mil mortos, assiste a mais de 600 óbitos por dia e vive sob a ameaça de uma nova crise nos meses de janeiro e fevereiro.
Enquanto no Brasil sobram dúvidas, o Reino Unido começa nesta terça-feira (8) a vacinar a sua população com o produto da Pfizer/BioNtech. Outros países iniciam a aplicação ainda neste mês e, provando a ausência de articulação nacional, São Paulo dá o pontapé na aplicação da Coronavac em janeiro. Com uma população de mais de 200 milhões de habitantes, o Brasil precisa garantir doses de toda e qualquer vacina que se mostre segura. Em vez disso, desdenha da primeira vacina aprovada no mundo até o momento, ignora a Coronavac, por disputas ideológicas com a China e entreveros políticos com João Doria, e deixa de fora fabricantes como Moderna, Novavax, Merck e Janssen. Aposta todas as fichas na Astrazeneca, que segue sem previsão de aprovação após admitir erro em testes.
Países ricos já garantiram mais do que duas doses per capita, e apenas a Europa já encomendou cerca de metade das vacinas prometidas por três farmacêuticas. Sem o poder econômico de Estados Unidos, Canadá ou Reino Unido, o Brasil já ficaria em posição delicada se tivesse chegado rápido ao balcões internacionais de negociação. Com a lentidão, a situação só piora. Outra estratégia seria investir na produção da própria vacina, aproveitando a experiência de órgãos como a Fiocruz e Instituto Butantan, mas o Brasil, com investimentos pífios em ciência e tecnologia, também perdeu esse bonde.
Colocar a culpa na necessidade de refrigeração em baixíssimas temperaturas para menosprezar os imunizantes da Pfizer e da Moderna, como faz o Ministério da Saúde, é manobra para disfarçar a própria inépcia. Não se descarta vacina com 95% de eficácia por obstáculos logísticos. Um governo responsável busca contorná-los. Além de já existir embalagem que garante o acondicionamento por 15 dias, o Brasil poderia adquirir doses suficientes da vacina para centros urbanos, com foco nos profissionais de saúde, por exemplo, o que já seria um grande avanço. Imunizantes termoestáveis seriam, então, liberados para pontos mais remotos dos país.
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Se já é complicado para o Brasil brigar por doses, para os Estados pode ser uma luta de Davi contra Golias. Não é admissível que se crie diversos Brasis dentro de um Brasil já tão desigual, com a fragmentação de campanhas de imunização. A morosidade do governo federal é desumana e duplamente irresponsável, porque custará vidas de muitos brasileiros e, de quebra, atrasará a retomada da economia do país, o que terá fortíssimos impactos sociais. É hora de acordar do sonho e encarar a realidade, antes que seja muito tarde.
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