Com o perdão de Millôr Fernandes, jornalismo não é oposição, é fiscalização. Essa é a premissa da imprensa livre: ela não toma partido e tem o compromisso de estar sempre antenada para os atos do poder público, em todas as esferas e independentemente das tonalidades políticas de quem está no poder. E ela se posiciona de acordo com o resultado de suas apurações: se há malfeitos confirmados, comportamentos inadequados, mau uso do dinheiro público... essas informações ganharão a luz do dia.
Foram quatro anos de governo Jair Bolsonaro; em breve o governo Lula completa um ano. E ainda há quem acredite que a imprensa profissional "passe pano" para este ou aquele. Ou que persiga um ou outro.
O Estadão está, desde a última semana, no centro de ataques de petistas contrariados com reportagem que mostrou que Luciane Barbosa Farias, mulher de Clemilson dos Santos Farias, conhecido como “Tio Patinhas” e um dos líderes do CV no Amazonas esteve no Ministério da Justiça, em Brasília, em pelo menos três ocasiões neste ano. Informação confirmada pela própria pasta, que após a reportagem alterou as regras de acesso ao local. Um trabalho jornalístico, com desdobramentos de pautas, com confirmado interesse público.
As intimidações se espalharam pelas redes sociais. A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, postou em suas redes sociais uma denúncia anônima contra o jornal que teria sido apresentada no site do Ministério Público do Trabalho (MPT). “Gravíssima denúncia feita ao MPT sobre a fabricação do ‘escândalo da dama do tráfico’ pelo Estadão para fazer parecer que (o ministro da Justiça) Flávio Dino é simpático ao crime organizado”.
Uma nota assinada por 24 repórteres da editoria de política reafirmou a defesa do jornalismo do veículo: "Os padrões jornalísticos aplicados na reportagem em questão são os mesmos usados em matérias escritas por esta equipe nos últimos anos e que serão reproduzidos em futuros trabalhos. As mesmas técnicas foram usadas em trabalhos investigativos sobre o governo anterior — reconhecidos, elogiados e compartilhados por quem agora nos ataca", diz trecho.
A Associação Nacional de Jornais (ANJ) partiu em defesa do Estadão. "“O uso de métodos de intimidação contra veículos e jornalistas não se coaduna com valores democráticos e demonstra um flagrante desrespeito à liberdade de imprensa. Também evidencia uma prática característica de regimes autocráticos de, com o apoio de dirigentes políticos, sites e influenciadores governistas, tentar desviar o foco de reportagens incômodas por meio de ataques contra quem as apura e divulga”.
Foi assim nos quatro anos de Bolsonaro, já está sendo assim no governo Lula. As empreitadas para calar a imprensa, institucionalmente ou com hordas na internet, só deixam explícito um autoritarismo que nem sempre está na superfície.
Parece ser essa a sina do jornalismo que não se acomoda e não fecha os olhos para os erros cometidos pelos governantes, seja quem for: estar sempre na mira daqueles que se sentem incomodados com sua necessária vigília. Sina que também é a sua glória, por ser justamente ela a prova cabal de que o jornalismo só deve ter um lado: o do interesse público.
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