Trabalhadores da saúde têm enfrentado um calvário. Para evitar o pagamento mensal de uma taxa sindical, são obrigados a ficar horas em uma fila que roda quarteirões na Cidade Alta, no Centro de Vitória. São centenas de pessoas que, diariamente, precisam se sujeitar a essa longa espera, debaixo de sol ou chuva. Martírio que visa a cumprir uma exigência feita pelo Sintrasades, o sindicato que as representa: apresentar um documento de identidade e entregar presencialmente, na sede da entidade, três cartas de oposição, escritas de próprio punho, para assim conseguir cancelar o desconto no salário.
A agonia não acaba aí. Há relatos de que, depois de todo o sufoco, o documento de identidade de alguns trabalhadores foi rejeitado pelo sindicato, por supostamente ter passado da validade. A penitência, então, vira via-crúcis: o profissional é obrigado a voltar outro dia, enfrentar novamente a longa fila para, quem sabe dessa vez, ter o novo documento aceito. Um escárnio. Somam-se a esse sofrimento outras reclamações: o horário reduzido de atendimento e o pouco número de funcionários para atender a demanda.
Só de contar, essa situação já causa revolta. Imagine, então, para quem está sendo obrigado a passar por isso? A bronca é geral. “É um desrespeito a nós, trabalhadores”, reclamou Valdireide Breciane, profissional de limpeza. “Eles deveriam ter organizado de uma forma melhor para a gente não precisar passar por esse constrangimento de ficar em fila por longas horas”, desabafou a técnica de Segurança do Trabalho Taline Santos.
Em meio ao protesto dos trabalhadores, o advogado do Sintrasades, Diego Nunes, assegurou que a renúncia à cobrança sindical pode ser feita por e-mail. Bastaria, segundo ele, autenticar a assinatura na carta escrita a mão e enviar para o correio eletrônico do sindicato. No entanto, o que se presume é que tal informação não foi passada de forma clara à categoria. Afinal, é difícil imaginar que milhares de profissionais trocariam tamanha facilidade pelo sacrifício de encarar uma fila sem fim.
Vale ressaltar que não é a primeira vez que ocorre esse constrangimento envolvendo o sindicato que representa quem trabalha em hospitais, laboratórios e clínicas da rede privada de saúde do Estado. Em 2021, em pleno período crítico da pandemia de Covid-19, os trabalhadores tiveram de passar pelo mesmo calvário para se livrar da cobrança de outra taxa sindical.
Àquela época, foi firmado entre o Sintrasades e o Ministério Público do Trabalho do Estado do Espírito Santo (MPT-ES) um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), estabelecendo que o direito de oposição às taxas sindicais pode ser feito por qualquer meio, inclusive eletrônico, até 10 dias após o efetivo desconto na folha de pagamento. Não caberia, portanto, ao sindicato estipular um prazo para que os trabalhadores renunciem à cobrança. Diante da situação atual, o MPT-ES disse, por nota, que investiga se está havendo o descumprimento desse TAC na atual convenção coletiva.
A taxa cobrada agora pelo Sintrasades é de 1% do salário, a ser paga de forma mensal até outubro de 2024. O valor se refere à chamada contribuição assistencial, considerada válida em julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) encerrado no último dia 11 de setembro. É garantido ao trabalhador, porém, o direito de rejeitar a cobrança. De que forma? Aí é que mora o problema. O Supremo ainda não detalhou as regras relativas à aplicação da taxa. O prazo para publicar o acórdão é de 60 dias – ou seja, termina na primeira metade de novembro.
Sem regramento, há sindicatos que estão impondo aos trabalhadores cobranças que são consideradas abusivas até por centrais sindicais. Como um caso ocorrido em Sorocaba (SP), conforme relatado pela Folha de S.Paulo, em que foi estabelecido o desconto de 12% no salário de agentes autônomos ou a cobrança de R$ 150 de quem se opuser à taxa.
Enquanto a modulação não for feita pelo STF, tanto o valor descontado no salário quanto o fato de a renúncia à cobrança precisar ser feita presencialmente não são ilegais. Mas não deixam de pecar pelo excesso, caso do desgaste imposto aos trabalhadores da saúde no Estado. Cabe aos sindicatos estar em defesa das categorias que representam, para que tenham acesso aos seus direitos da maneira mais simples e transparente possível. Impor sacrifícios e humilhações a quem quer apenas ter seu salário sem descontos é jogar contra si mesmo. Ao diagnosticar qualquer tipo de abuso, o MPT deve intervir de forma célere, para proteger o trabalhador.
Do STF, espera-se que a modulação estabeleça regras claras sobre a aplicação dessa contribuição sindical, com limite do valor a ser cobrado e meios simples para que o trabalhador cancele a cobrança. Tudo isso está na fila para ser solucionado e precisa andar o mais rápido possível, para que o direito do trabalhador não continue andando para trás.
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