Exatamente um ano depois de a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarar a pandemia da Covid-19, o Brasil segue com a mesma imaturidade gerencial do início da crise de saúde pública. Pior: um ano depois, testemunha-se o sucesso da vacinação ao redor do planeta, enquanto por aqui a imunização caminha a passos lentos, resultado de uma teimosia inexplicável que só agora parece arrefecer no Planalto, quando deveria ser óbvio desde o primeiro momento que o risco sanitário imposto pelo novo coronavírus não só provoca cada vez mais mortes — nesta quarta-feira (10), o país superou os 2 mil óbitos diários pela primeira vez —, como impede que a própria vida em sociedade siga com normalidade. A saúde das pessoas e a economia do país são indissociáveis.
Para aproximadamente 60 milhões de brasileiros, esse elo entre a saúde e a economia se materializa como questão de sobrevivência. São as pessoas que em 2020 foram amparadas pelo auxílio emergencial, que garantiu renda a quem não tinha condições de trabalhar por conta das medidas restritivas e movimentou os setores de comércio e serviços em um ano marcado por um evento extraordinário, mas que viram essa ajuda desaparecer com a chegada do novo ano, cercado de expectativas de superação da crise sanitária e de reaquecimento econômico.
Os três primeiros meses de 2021 rasgaram a fantasia: a vacinação não vingou, a pandemia atingiu seu pior momento, com recordes de mortes, e só agora, em março, a renovação do auxílio começa a sair do papel.
Desde sempre esteve evidente que a continuidade do pagamento deve estar associada à adoção de medidas compensatórias para não aprofundar o abismo fiscal brasileiro, após os gastos extraordinários da pandemia em 2020. É preciso salvar as pessoas na calamidade, mas com a proteção necessária para garantir a recuperação econômica do país assim que for possível. A sinalização da responsabilidade fiscal é um compromisso com a saúde financeira, algo de que não dá para se abrir mão na atual conjuntura brasileira.
Diferentemente de 2020, o desafio de fazer esse dinheiro chegar às pessoas que precisam até poderá ser atenuado pelo trabalho realizado ano passado, que colocou no radar do governo federal um percentual considerável da população que era invisível aos programas de assistência.
Se em 2020 o gasto do Tesouro com o auxílio chegou a 293,1 bilhões entre abril e dezembro, o valor destinado ao benefício em 2021 será de R$ 44 bilhões. A redução é considerável, inclusive nas projeções dos valores a serem pagos. A responsabilidade pela distribuição eficiente desses recursos, sem vazamentos em fraudes, como as registradas incessantemente no ano passado, será ainda maior. A situação financeira temerária do país exige controle, sem desperdícios.
Não é tarefa simples. Desde o ano passado, sabe-se que há organizações criminosas por trás dos prejuízos causados ao programa assistencial, ávidas pela retomada do pagamento. Sem falar na má-fé em ações individuais. Até janeiro deste ano, a Polícia Federal havia instaurado 516 inquéritos policiais para investigar essas irregularidades na distribuição. Mais de 3,82 milhões de pedidos irregulares foram detectados e cancelados, evitando que R$ 2,3 bilhões saíssem indevidamente dos cofres públicos.
Em 2021, o desafio continuará sendo fazer cumprir os critérios de acesso ao benefício, corrigindo rotas para evitar extravios criminosos e sistemáticos, com reforço significativo na segurança do sistema, para inibir os aventureiros. O auxílio emergencial deve minimizar os impactos da persistente pandemia entre aqueles que são afetados diretamente por ela, não para fazer a festa de aproveitadores. Espera-se que, pelo menos nesse aspecto de ajuda rápida e eficiente a quem precisa, o ano de 2021 seja menos caótico do que 2020.
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