O novo tabuleiro político brasileiro, passado o segundo turno das eleições municipais, deu um recado claro: os partidos de centro saíram fortalecidos do pleito. No entanto, mais do que um abraço a uma pauta ideológica, até porque muitas das legendas vencedoras não têm conteúdo programático claro, o que o resultado das urnas escancarou foi uma derrota dos extremos. O eleitor sinalizou cansaço com radicalismos, de esquerda e de direita, e optou pela moderação.
Maior bancada no Senado, o MDB manteve-se como partido com maior número de prefeitos e vai comandar 784 cidades. O DEM do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, foi o que proporcionalmente mais cresceu, elegendo 71% mais chefes de Executivo municipais do que na eleição anterior. Outros destaques ficaram com PP, que pulou de 495 prefeituras para 685; e PSD, de 539 para 654, além do bom desempenho de PSDB, Republicanos e Podemos.
As eleições 2020 foram mais equilibradas também na partilha do poder, com uma distribuição pulverizada do controle dos 5.569 municípios. Apesar dos avanços de alguns partidos, nenhum deles pode ser considerado o grande vencedor. Pela primeira vez desde 1988, quando todas as cidades puderam escolher seus mandatários sem restrições, nenhuma legenda alcançou a marca de mil prefeituras conquistadas.
Se não houve claros vitoriosos, houve derrotados óbvios. O bolsonarismo e o lulopetismo que mediram força nas urnas em 2018 e polarizaram a cena política desde então saíram enfraquecidos das urnas neste ano. Como um Midas às avessas, o presidente da República, Jair Bolsonaro, revelou-se um péssimo cabo eleitoral, ao não conseguir eleger a maioria dos candidatos para quem pediu voto. Os maiores fracassos foram Marcelo Crivella (RJ) e Celso Russomanno (SP), ambos do Republicanos, nos dois maiores colégios eleitorais do país. Já o PT viu sua força encolher nos Executivos municipais, de 254 para 183, e pela primeira vez desde a redemocratização não ganhou em nenhuma capital.
O Espírito Santo, em certa medida, ilustra o cenário nacional, com a derrota em Vitória de João Coser (PT) para Lorenzo Pazolini (Republicanos), que se autodeclara de “centro-direita, mas com bom senso, com análise crítica, que rejeita os extremos”. A exemplo de outros prefeitos eleitos no Estado, que prometeram união de esforços, Pazolini disse em seu primeiro discurso após o resultado que vai “dialogar com todos”. Apesar de alinhado a Jair Bolsonaro, o Republicanos não escancarou o apoio e tornou-se o segundo partido em número de prefeitos no Estado, com 10 mandatários eleitos.
O enfraquecimento do PT, contudo, não se estende à toda a esquerda. Apesar de derrotado nas urnas, esse espectro político conseguiu projeção nestas municipais com a chegada de Guilherme Boulos (PSOL) no segundo turno de São Paulo, que conseguiu formar uma frente de centro-esquerda em torno de sua candidatura, enquanto o PDT de Ciro Gomes ganhou fôlego com vitórias em Fortaleza e no Recife. No Espírito Santo, o PSB é o líder em número de prefeituras, com 13 administrações.
As eleições municipais seguem uma dinâmica própria, naturalmente mais afeita aos problemas locais do que a grandes pautas nacionais ou cartilhas ideológicas. Em meio a uma pandemia, com sérios rebotes econômicos, o pragmatismo falou mais alto. Saíram de cena as pautas de costumes e os discursos de ódio e ganharam holofotes as agendas propositivas para saúde pública, educação e geração de emprego e renda.
Mas o recado da urnas promete implicações não apenas na corrida presidencial de 2022, como também, a curto prazo, no funcionamento do Congresso, onde o centro indiretamente se fortalece. Parlamentares certamente estão atentos aos apelos das urnas por convergência e, com o apoio da massa de prefeitos de centro-direita e centro-esquerda, isso pode se refletir em articulações para aprovação de pautas importantes para o Brasil. A reforma administrativa, por exemplo.
A “nova política”, outra derrotada no pleito, deverá dar lugar à política simplesmente, traduzida na costura de consensos para atingir o principal objetivo do poder público, que é o bem-estar da população. O alerta que fica é para que a ascensão do centro não se converta em recrudescimento do fisiologismo, tão nocivo ao país e infelizmente tradicional em algumas legendas do bloco.
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