Na disputa por pontos de tráfico de drogas, tiroteios entre facções se tornaram constantes em Vitória, no último mês. Indefesos, moradores de regiões como Itararé, Bairro da Penha, Consolação, Santos Dumont e Morro do Macaco registram o som das rajadas de tiros. Os vídeos enviados pelas redes sociais e pelo WhatsApp soam como um grito de socorro de quem se vê cercado sob a mira de fuzis e outras armas, enquanto a Polícia Militar busca conter o conflito por meio de uma força-tarefa estabelecida no local conflagrado.
Em uma das ações, um fuzil foi apreendido, após troca de tiros entre policiais e criminosos, no último domingo (29), em Santos Dumont. Apesar de parecer um fato menor ante uma guerra que precisa ser contida, a apreensão dessa arma de uso restrito do Exército deve ser vista com atenção. Para impedir que armamentos cada vez mais pesados e de potencial destruidor cheguem às mãos de facções criminosas, é fundamental descobrir a origem deles.
Em julho, quatro pessoas foram presas na Operação Crypta, da Polícia Civil. A investigação descobriu que aplicativos de mensagem, como WhatsApp e Telegram, eram usados como uma espécie de delivery para o comércio ilegal de armas. Após a negociação, o armamento era entregue na casa do comprador.
Outra operação, dessa vez da Delegacia Especializada de Armas e Munições (Desarme), descobriu que a considerada maior organização criminosa do Espírito Santo comprou um fuzil por R$ 70 mil, diretamente de um "fornecedor" legalizado. A arma havia sido adquirida por um homem que possui Certificado de Registro de Atirador (CAC), integrante de um grupo criminoso de Guarapari. Com a ajuda de um intermediador, ele negociou o armamento com a facção da Capital. Em junho, também houve a apreensão, por parte da Polícia Federal, de um fuzil no endereço de um traficante de drogas, em Goiabeiras, Vitória, no momento em que era entregue por uma transportadora.
Até agosto, 2.643 armas de fogo foram apreendidas no Estado, conforme dados da Secretaria de Estado da Segurança Pública (Sesp). Em 2022, foram 4.301, de acordo com o 17º Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Apesar de a polícia procurar fazer a sua parte, essa quantidade de pistolas, revólveres e outros tirados de circulação não é suficiente para tranquilizar a população. Sabe-se que os grupos criminosos têm diversos caminhos para montar o próprio arsenal bélico: desde o furto e roubo a um cidadão comum até a compra no mercado ilegal, passando por conexões nacionais e internacionais.
Apreensão de armas é um trabalho de formiguinha diante do mercado existente hoje. O desafio é fechar a torneira que facilita a irrigação de armamentos ao crime. Nos últimos anos, houve um afrouxamento de regras que culminou na explosão de registros de armas, como já foi citado neste espaço: no Brasil, a variação foi de 260% entre 2017 (com 637.972 registros) e 2022 (com 2.300.178), de acordo com dados do 17º Anuário Brasileiro de Segurança Pública. No Espírito Santo, o aumento foi de 381,7%, saindo de 14.044 em 2017 para 64.651 em 2022. No imaginário, essas armas registradas podem ser consideradas como de uso para a segurança pessoal. Mas, no cômputo geral, especialistas apontam que grande parte desse arsenal legalizado está sendo desviado para o crime.
Já há medidas para conter essa sanha armamentista. Em julho, o governo Lula publicou um “revogaço” dos decretos assinados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro e restringiu o acesso às armas. Na última terça-feira (31), foi editado um decreto que restabelece as alíquotas do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) sobre armas de fogo, munições e aparelhos semelhantes, com um aumento para até 55% na taxação. No dia seguinte, o governo federal também anunciou novas medidas de combate ao crime organizado. Uma delas prevê a intensificação de ações, por parte das Forças Armadas, nas fronteiras terrestres do país, focada em uma faixa de 2.200 quilômetros nos Estados do Paraná, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.
Aqui no Estado, representantes das polícias Militar, Civil, da PF, da PRF e de guardas municipais integram a Força-Tarefa de Segurança Pública (FTSP), em um trabalho de cooperação institucional que pode trazer resultados expressivos no desmantelamento de organizações criminosas que financiam e abastecem o tráfico de drogas. Desde setembro, após a visita do ministro da Justiça, o Espírito Santo também é parceiro da Força Integrada de Combate ao Crime Organizado (Ficco). Dino destacou, à época, o caráter nacional das facções, com filiais locais. Por isso a emergência de uma estratégia coordenada.
São iniciativas que não podem ser apenas paliativas. Devem se consolidar como políticas públicas de combate ao crime. Em ambientes conflagrados, fuzis e outras armas de alta capacidade destrutiva são utilizadas como forma de ostentação e intimidação por parte das facções perante os rivais. E a ameaça se transforma em pavor diante do som das rajadas. É preciso ouvir o grito de socorro de quem vive sob a mira de fuzis. Desbaratar a cadeia que fornece essas armas é também tirar o poder dessas gangues. Esse é o desafio que se impõe às forças de segurança no Estado e no país.
LEIA MAIS
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.