Os tiroteios nos bairros em que há ação do tráfico na Grande Vitória andam corriqueiros a ponto de terem se tornado uma lamentável rotina para milhares de moradores. Um desses episódios de terror, registrado no bairro Andorinhas, em Vitória, foi emblemático: como os disparos foram efetuados no início da tarde da última segunda-feira (23), no horário de entrada de cerca de 250 alunos da Escola Municipal de Ensino Fundamental (Emef) Izaura Marques da Silva, as aulas presenciais tiveram de ser suspensas.
A forma como o tiroteio afetou a rotina escolar tem um peso simbólico porque mostra o impacto da violência naquele que é o templo da educação, a escola, local que deveria ao menos ser um refúgio dessa realidade.
Em 2015, a Pesquisa Nacional de Saúde Escolar (PeNSE), realizada pelo IBGE, apontou que 14,8% dos estudantes do 9º ano tinham deixado de ir à escola ao menos um dia no mês por não se sentirem seguros no trajeto de ida ou de volta. Para piorar, 9,5% dos alunos afirmaram que, no mesmo período, se ausentaram em algum momento por não se sentirem seguros no próprio ambiente escolar. Seis anos depois, é difícil de acreditar que a situação hoje seja muito diferente.
São dados relevantes demais para serem ignorados pelos gestores da educação e da segurança pública. É consenso entre especialistas, com base em estudos e pesquisas, que o direito à educação de qualidade é um fator primordial de redução da violência.
Para o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), o acesso à escola é a única forma de reverter o quadro crescente de homicídios de adolescentes, não somente no Brasil. As projeções do Unicef não são boas: se for mantida a tendência atual, são quase 2 milhões de crianças e adolescentes que podem morrer em todo o mundo até 2030. Quase metade dos homicídios na faixa dos 10 aos 19 anos ocorre na América Latina.
Os crimes não param de acontecer. Nesta terça-feira (24), um jovem de 21 anos foi morto com mais de 20 tiros em Cariacica. No último dia 18, um rapaz de 19 anos foi brutalmente assassinado em um apartamento em Santo André, na Capital. No dia 16, um adolescente de 16 anos foi morto a tiros em São Conrado, Vila Velha. Os casos se sucedem com uma naturalidade inaceitável.
A falta de perspectivas é como uma bola de neve, e não dá para negar que a própria pandemia contribuiu para um cenário de desolação, com mais crianças e adolescentes abandonando os estudos. Uma ociosidade que pode colocá-los diante das seduções da criminalidade.
De acordo com o IBGE, 96 mil adolescentes com idades entre 15 e 17 anos estavam fora da escola em 2019 no Espírito Santo. No ano seguinte, segundo dados do Unicef, mais de 77 mil crianças e adolescentes abandonaram os estudos devido à crise sanitária.
O Observatório da Segurança Cidadã divulgou em maio passado dados assustadores, que se relacionam com a evasão escolar: 169 adolescentes de 15 a 17 anos foram assassinados no Estado em 2019 e 2020, uma faixa etária considerada mais vulnerável ao tráfico, sobretudo quando fora da escola.
A educação sagra-se assim como o único caminho para conter essa epidemia de violência entre os mais jovens. Não é fácil, em um país no qual o ensino de qualidade ainda é um luxo para poucos e onde as oportunidades, mesmo para quem estuda, estão cada vez mais escassas. Uma nação sem perspectivas não consegue firmar o exemplo a ser seguido, aquele que consiga engajar um exército de jovens a lutar pelo próprio futuro pelas vias corretas.
Mas é preciso começar de algum lugar, sem derrotismo. A sociedade civil precisa abraçar a educação, cobrando do poder público o acesso universal a um ensino de qualidade, agregador, capaz de gerar profissionais qualificados e com espírito crítico que encontrem um mercado de trabalho mais sadio do que o atual.
Jovem na escola é um jovem ampliando seus horizontes. A exclusão escolar, com a educação cronicamente incapaz de ser um atrativo, precisa ser superada com boas estratégias dos governantes, com o envolvimento das famílias e com políticas públicas que ajudem a mostrar que a escola é o melhor lugar para se estar na infância e na adolescência. Uma criança a mais com um lápis na mão vai se tornar um jovem a menos com uma arma em punho.
Este vídeo pode te interessar
LEIA MAIS
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.