“Hoje, se dissessem que vão voltar às aulas, eu responderia: ‘muito bem, os meus não vão voltar, não tenho coragem’. O receio da dona de casa Cláudia Cristina de Almeida, mãe de dois filhos em idade escolar em Vitória, é a mesma de milhares de familiares em todo o país, um misto de apreensão em expor crianças e jovens ao novo coronavírus e de medo pelo tempo perdido, diante da ausência de medidas eficazes do poder público para atender os alunos que tiveram o ano letivo interrompido.
A retomada do ensino presencial, em tempo oportuno, é uma das agendas inescapáveis do Brasil, que, em um ano e meio de gestão Bolsonaro, chega ao seu quarto ministro da Educação. O silêncio do Planalto sobre o tema tornou-se insustentável, e desafios tremendos estão postos à mesa para Milton Ribeiro, que toma posse nesta semana. Óbices impostos pela pandemia somam-se a adversidades históricas, escamoteadas do debate público nos últimos tempos pela inépcia e pelas bravatas ideológicas dos antecessores da pasta.
Há um clima de suspense no ar. Ribeiro ainda deixa dúvidas se quem vai assumir o MEC é o pastor ou o doutor em Educação. Antes da indicação ao cargo, pregou castigos físicos a crianças, polêmica que parecia enterrada com a Lei Menino Bernardo (2014), e defendeu que universidades incentivam a promiscuidade. Já oficializado como ministro, soou mais conciliador e sustentou “um verdadeiro pacto nacional pela qualidade da educação em todos os níveis”.
É este o discurso que o Brasil espera ver logo posto em prática, após meses de uma estagnação que já cobra seu preço. De cara, o novo comandante da pasta terá a missão de reconstruir as pontes queimadas por Weintraub, uma tarefa que ele demonstra reconhecer. Prometeu atuar em articulação com Estados, municípios e gestores “para mudar a história da educação do nosso país”.
O diálogo é peça-chave para a pauta mais urgente do MEC, que é a elaboração de um cronograma de volta às aulas e dos protocolos sanitários necessários a um retorno seguro. Na área da saúde, o governo Bolsonaro tem lavado as mãos e deixado nas costas de governadores e prefeitos o ônus do combate à pandemia. Na educação, não pode se esquivar da incumbência constitucional de garantir financiamento, qualidade do ensino e equalização de oportunidades.
No Espírito Santo, o governo estadual afirmou que o retorno às aulas de aula só acontecerá quando houver queda sustentada de casos graves e óbitos, o que pode ocorrer apenas em outubro. Mas como será esse “novo normal”? Como a rede pública atenderá os protocolos sanitários, indispensáveis enquanto não houver vacina? De onde sairão as bases técnicas e os recursos? O Brasil não pode ter 27 respostas diferentes para as mesmas questões.
O MEC tem alternado entre o silêncio e a balbúrdia. O mesmo Weintraub que esbravejou contra o adiamento do Enem, até ser vencido pelo Congresso, calou-se sobre o aprofundamento das desigualdades com a realização do exame em janeiro, que pode colocar o risco o acesso à universidade para milhares de jovens, especialmente os mais pobres. Também não promoveu nenhum debate amplo e qualificado sobre a repactuação do Fundeb, que será votado nos próximos dias pelo Congresso.
Horas antes de Milton Ribeiro ser anunciado como ministro e sinalizar com o diálogo, o governo federal oficializou 12 novos nomes para o Conselho Nacional de Educação, órgão que assessora o MEC, dando espaço para olavistas e ignorando sugestões técnicas de secretários estaduais. Mesmo que Ribeiro resolva dar voz ao doutor, ainda é preciso saber se o aparelhamento do governo federal permitirá que ele seja ouvido.
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