Na superfície, o drible no teto de gastos pode parecer a postura humana de um governo de assistir as camadas vulneráveis em uma emergência. Essa foi exatamente a justificativa do ministro da Economia, Paulo Guedes, quando afirmou que prefere tirar nota 8 em política fiscal e 10 em política social, ao anunciar o programa Auxílio Brasil. Mas essa é só a casca da manobra, mais alinhada ao casuísmo e a motivos eleitoreiros do que a um verdadeiro plano de gestão de crise econômica.
Ninguém nega que milhões de brasileiros lançados à pobreza e à miséria precisam de suporte. O auxílio emergencial criado nos primeiros meses da pandemia para socorrer desempregados e autônomos foi uma das medidas acertadas da atual gestão nesse sentido. Não haveria nada de errado em aumentar o valor pago aos beneficiários do Bolsa Família no novo Auxílio Brasil, que substitui o programa anterior, desde que esse incremento fosse factível dentro dos limites do orçamento. Não é o caso.
Ao dar um cavalo-de-pau nas contas públicas com o furo do teto, o governo Jair Bolsonaro abre uma avenida para o produzir o efeito diametralmente oposto do propagado e deixar os brasileiros ainda mais pobres. A curto prazo, o pagamento de R$ 400 reais certamente ajuda os beneficiários e pode até dar um fôlego à economia, com aumento do consumo pelas famílias. Mas é um voo de galinha. A médio e longo prazos, a história é bem diferente, simplesmente porque o governo não tem condições de bancar a medida.
A lógica é a mesma das finanças pessoais. Uma pessoa que faça compras sem capacidade de quitar as dívidas será inscrita em um cadastro de maus pagadores. Com o nome sujo na praça, a vida complica. No caso do Brasil, o rombo no teto de gastos já está sendo calculado em 100 bilhões, o que coloca para girar uma complexa engrenagem que, ao final, tem o mesmo resultado prático que um vizinho caloteiro. Sem credibilidade, há uma debandada de investidores, a fuga de capitais leva a dólar alto, escalada dos preços, aumento da inflação, subida dos juros, desaquecimento das atividades econômicas e, consequentemente, desemprego.
Enquanto os brasileiros sentem na pele os efeitos da alta de preços e cortam na carne, Jair Bolsonaro mais uma vez rasga o discurso de posse, desta vez ao abandonar a âncora fiscal, tão cara ao liberalismo econômico que o alçou à presidência. É a crônica de um desastre anunciado, sobretudo em um país já fragilizado em diversas frentes, na saúde, no meio ambiente, na cultura.
O furo do teto não passa de um puxadinho populista, incapaz de criar um horizonte sustentável para promoção do bem-estar social, tão improvisado e inócuo quanto o auxílio anunciado para caminhoneiros. O governo, preocupado apenas com o capital político que vem se desmantelando a cada pesquisa de intenção de votos, nem se deu ao trabalho de disfarçar o propósito eleitoreiro da medida, uma vez que o benefício inchado só vale até 2022. Não há responsabilidade social sem sustentabilidade fiscal.
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