Falar de feminícidio é algo excruciante não só pela natureza covarde do crime, mas também pela percepção de que, por mais que a sociedade esteja cada vez mais atenta a essa tragédia, na cobrança incessante por políticas públicas mais eficientes, a morte por questões de gênero continua a preencher o noticiário com uma recorrência inaceitável.
No Espírito Santo, de janeiro a julho deste ano, foram registradas 21 ocorrências, o que corresponde a 80,7% dos crimes com essa qualificadora notificados em todo o ano de 2020, de acordo com o Observatório da Segurança Pública da Sesp. Ou seja: 2021 deve ser um ano ainda mais violento para as mulheres.
Quando se comparam os dados do mesmo período, de janeiro a julho, foram 16 feminicídios em 2020. São números que contradizem as expectativas de muitos especialistas em segurança pública no ano passado, quando se esperava que o isolamento social exigido pela pandemia, ao intensificar os casos de violência doméstica, também tivesse um impacto no número de feminicídios.
A mobilização para abrir canais de denúncia durante o período mais intenso de restrições da crise sanitária foi importante para não silenciar as vítimas, mas a subnotificação da violência deve ser sempre levada em conta. O que não ocorre quando a tragédia se consuma com a morte, a não ser que exista negligência no inquérito ao não definir o assassinato como feminicídio.
Os números do Observatório da Segurança Pública relativos aos anos de 2019 e 2018 mostram que em 2020 houve um recuo estatístico na comparação de janeiro a julho: enquanto em 2019 foram 21 casos de feminicídio, em 2018 houve 20 registros. Em 2021, portanto, o Espírito Santo voltou ao patamar dos anos anteriores à pandemia. E os números de agosto passado já acrescentam mais 2 casos aos feminicídios de 2021.
Não é por ser difícil, por não haver ainda resultados sensíveis na redução desse crime que revela o quanto o machismo ainda está incrustado na estrutura social, na forma como homens e mulheres ainda se relacionam, que deve-se abandonar a causa. A Lei do Feminicídio ainda é jovem, mas não se pode negar o quanto ela tem mudado a cultura, ao deixar bem evidente que as relações de poder entre os gêneros são responsáveis pela morte de milhares de mulheres brasileiras, todos os anos.
O simples fato de inaugurar esse debate, envolvendo mulheres e homens de todas as idades, já é um avanço, ao possibilitar a sistematização de uma nova forma de encarar o problema. Um nome novo para um drama que sempre existiu inclui, portanto, novas estratégias de enfrentamento.
As penas mais duras são o meio, não o fim; porque se sabe que a punição é um freio social para a criminalidade, mas sozinha não muda a realidade. O que se almeja é a construção de uma civilidade que estabeleça relações realmente igualitárias entre os gêneros, algo que só será possível com educação, incluindo-se também a familiar. É basicamente a construção do respeito.
A Lei do Feminicídio mostra que mulheres não são posse de homens, seus maridos, namorados, pais ou quem quer que seja. Pode ser excruciante, como dito no início, ver que tantas mulheres continuam morrendo nessas circunstâncias, mas o incômodo jamais pode ter como consequência o silêncio. Enquanto mulheres continuarem sendo mortas por serem mulheres, ninguém pode se calar
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