Na realidade paralela na qual o Brasil se encontra, um presidente da República afirma que é "idiota" quem diz que precisa comprar feijão, e tudo fica por isso mesmo. Coloca a compra de fuzis como prioridade em um país com uma população cada vez mais empobrecida, e tudo permanece normalizado. Tudo bem, o presidente é assim mesmo, sincero, dizem seus defensores.
Sinceridade ou crueldade? Jair Bolsonaro, com sua artilharia de insanidades, desmoraliza o cargo para o qual foi eleito com uma desenvoltura inconcebível. Desde o início da pandemia, coleciona impropérios. O presidente, como se vê, repete a insensibilidade que é a sua marca. Consegue, assim, alimentar um séquito também pouco sensível aos dramas do país.
Por uma coincidência, na mesma sexta-feira (27) em que Bolsonaro fez as lamentáveis comparações entre fuzis e feijões a seus apoiadores no Palácio da Alvorada, este jornal trazia estampado no título de seu editorial a indignação com o atual estado de coisas no país: "Brasil testemunha empobrecimento da população sem reagir".
Naquela mesma manhã, Bolsonaro não deixou dúvidas sobre suas prioridades, mesmo que a inflação não dê trégua e continue tirando comida da mesa dos mais pobres. Não é só feijão que falta, há também carência de dignidade para 14 milhões de desempregados.
E não há nem um sopro de reação organizada do governo federal, mais preocupado com seus moinhos de vento: do voto impresso ao devaneio comunista, Bolsonaro estimula os apoiadores do governo a se esquecerem dos verdadeiros inimigos comuns.
O Brasil deveria se unir por saúde acessível a todos os cidadãos, por educação de qualidade que promova a produtividade sem desmerecer o espírito crítico dos futuros cidadãos, pela redução sistemática da violência. Mas, de concreto, só há atraso. Recua-se cada vez mais nos parâmetros civilizatórios para um passado hobbesiano, onde impera o cada um por si. O desprezo institucional nutre a guerra bolsonarista, na qual não há proposição para o aprimoramento das instituições, apenas destruição. Fuzis acabam sendo mesmo mais importantes que feijões nesse cenário de implosão do Estado democrático de Direito. No bolsonarismo, o descalabro faz sentido.
Ironicamente, Bolsonaro foi eleito com a promessa de fortalecer o Estado brasileiro, promovendo as reformas que azeitassem suas engrenagens, com uma máquina pública mais enxuta e um serviço público mais eficiente e menos encastelado. A retirada do poder público onde ele não é essencial, com as privatizações e concessões. Um sistema tributário mais simples e equânime, com uma carga menos escorchante. Tudo para tornar o país atraente aos investimentos, esses sim capazes de fortalecer o mercado de trabalho, abastecido por profissionais preparados, inclusive para os avanços tecnológicos.
Bolsonaro conseguiu reformar a Previdência, e parou por aí. Encontrou uma pandemia no meio do caminho. Mesmo que tenha preferido ignorá-la, ainda não direcionou a energia para os seus compromissos de campanha. Mas já sonha com 2022...
A fome e a miséria avançam, sem encontrar quem bloqueie seu caminho. O presidente da República não parece se preocupar com o Brasil ao fazer malabarismos retóricos com feijão e fuzis, sem esboçar nenhuma compaixão por quem tem fome. Na cartilha midiática do bolsonarismo, a fala é considerada mera cortina de fumaça para distrair a população dos problemas reais. Mas o tiro sai pela culatra quando a verborragia do presidente reforça um dos maiores dramas deste país, o prato vazio. A esta altura, a verdade é que nem há esperança de que Bolsonaro se comporte um dia como um presidente. Muito menos como um estadista.
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