A pandemia do novo coronavírus é uma crise sanitária, mas seus reflexos estão por toda parte, em um efeito dominó. Com o erosão das atividades econômicas e o aprofundamento de desigualdades sociais, um dos impactos óbvios vislumbrados era na segurança pública. Mesmo com a quarentena, a escalada da violência bate à porta e acende um alerta para a urgência de estratégias amplas de enfrentamento, antes que o país coloque a perder os avanços conquistados a duras penas nos últimos anos.
Depois de ver uma queda de 19% nos assassinatos em 2019 em relação ao ano anterior, ao registrar o menor número desde que o Fórum Brasileiro de Segurança Pública passou a compilar os dados, em 2007, o Brasil vem revertendo a tendência. Mês a mês, o país tem superado as estatísticas de mortes violentas do ano passado, incluindo as de feminicídio. Dinâmicas socioeconômicas distintas, peculiaridades regionais e a ausência de uma política nacional de combate à criminalidade, é claro, criam um mosaico de realidades no território brasileiro.
No Espírito Santo, a execução de mulheres por questões de gênero caiu durante a pandemia, por exemplo, embora não seja possível afirmar que a violência doméstica tenha diminuído. Mais de duas mil medidas protetivas já foram concedidas, e as agressões podem estar subnotificadas. Já os homicídios ocorridos nos primeiros seis meses deste ano superaram em quase 20% o número do mesmo período do ano passado. Foram 97 assassinatos a mais.
O saldo preocupa, mas poderia ser ainda pior. O Estado teve cenários realmente trágicos em fevereiro e março, com 110 e 140 mortes violentas computadas. A troca de comando na Secretaria de Segurança Pública, que passou a ser comandada pelo coronel Alexandre Ramalho, surtiu efeito, e os meses de maio e junho registraram 77 e 80 assassinatos. A redução é fruto da acertada estratégia de aumentar as operações policiais e as abordagens a suspeitos, com foco em homicidas, como já salientado por este jornal.
Apesar dos nítidos avanços, os números mostram que é preciso ir mais longe. Caso os assassinatos mantenham-se no mesmo patamar dos últimos dois meses, os mais baixos registrados neste ano, mesmo assim o Espírito Santo terminaria 2020 com 1.066 assassinatos, ultrapassando os 978 do ano passado, quando o Estado finalmente computou menos de mil mortes violentas.
Força e inteligência das polícias devem estar empenhadas na ofensiva às facções criminosas, que saturam muitos bairros da Grande Vitória, sufocando os moradores com mortes, ameaças e medo. Na última terça-feira (30), dois jovens de 23 e 27 anos morreram baleados em Boa Vista, Vila Velha, quando bandidos fecharam o carro em que as vítimas estavam e dispararam mais de 30 tiros. O verdadeiro alvo, segundo os investigadores, seria outro ocupante do veículo, suspeito de chefiar o tráfico na região.
Se antes da pandemia a violência urbana já era um desafio notável no Brasil, país talhado pela desigualdade, agora a missão é ainda mais árdua. Mas também mais necessária. Aos obstáculos crônicos enfrentados pelo país, serão somados o esfarelamento da renda e do emprego provocados pela crise econômica.
Educação e serviços públicos de qualidade, que sempre foram as armas mais sensatas na batalha, terão importância redobrada para reduzir a vulnerabilidade social de uma imensa parcela da população. Mesmo sem saber até quando o Brasil enfrentará a pandemia, é certo que seus desdobramentos serão duradouros. É preciso começar já, para que não se prolonguem ainda mais.
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