Neste espaço, a recorrência com a qual se reivindica um gasto mais racional dos recursos públicos não é sem propósito. Este jornal tem a convicção de que um Estado que se arrasta para tentar se manter de pé nunca será capaz de oferecer serviços públicos de qualidade, como contrapartida aos impostos dos contribuintes, e investir de forma vigorosa, gerando riquezas e se fortalecendo. Pelo contrário, atualmente ele praticamente só existe (e resiste) como fim de si mesmo, dispendioso não somente na manutenção de privilégios, mas também arcando com a ineficiência e o desperdício.
O argumento mais recente para embasar essa batalha financeira é a constatação de que o Brasil, de 2008 até 2019, foi o país que mais expandiu as despesas públicas entre as principais economias do mundo, de acordo com um levantamento do jornal Folha de S.Paulo.
A pergunta que se faz é: o país está significativamente melhor por conta disso? E ela pode se ramificar em outras. Os serviços de saúde, a educação, a segurança pública... esses setores mais sensíveis, que se apresentam como garantias constitucionais, trabalham em sua plenitude, com a satisfação de quem depende deles? O Brasil atualmente tem mais empregos, mais oportunidades? Os investimentos jorram para a melhoria da infraestrutura, com a confiança em um ciclo econômico virtuoso, sem grandes percalços decorrentes de decisões equivocadas? As respostas estão todas na ponta da língua de qualquer cidadão brasileiro, preocupado com o seu presente e com o seu futuro.
Na apuração da Folha, com informações obtidas em uma base de dados comparativa do FMI, reuniu-se um grupo de 20 países selecionados entre as mais importantes economias globais e da América Latina. A análise começa em 2008, ano de crise financeira global, e vai até 2019. No período, a despesa conjunta de União, Estados e municípios avançou de 29,5% para 41% do Produto Interno Bruto, retirando os encargos com os juros. A Folha de S. Paulo sustenta que o crescimento faz do país o maior aparato estatal fora da Europa. E também é superior ao dos principais emergentes com dados disponíveis.
O roteiro dessa tragédia é conhecido. A "marolinha" da crise de 2008 se desaguou em um tsunami de gastos no Brasil, principalmente no início do primeiro mandato de Dilma Rousseff. A malfadada nova matriz econômica elevou as despesas, com a perturbadora cantilena de que "gasto público é vida". Não tardou, e em 2014 já se anunciavam os prenúncios de uma crise econômica que afundou o país na segunda metade da década. O desemprego explodiu, com o consequente recuo social.
Em 2016, o teto de gastos foi aprovado para organizar o orçamento nos curto, médio e longo prazos. Um novo governo foi eleito dois anos depois com o compromisso da austeridade no seu sentido mais justo, promovendo reformas que organizassem o país financeira e administrativamente. A reforma da Previdência foi um ponto importante para conter a escalada das despesas com aposentadorias, que tornaria o sistema previdenciário insustentável, mas parou por aí.
Há uma pandemia no meio do caminho, é verdade, que exigiu e ainda exige um orçamento de guerra para ser combatida. O imponderável é inquestionável... o que se lamenta é um país já devastado pelo mau gerenciamento econômico ter de encarar essa agonia mundial sem estar minimamente organizado financeiramente. A crise da Covid-19 expõe, por si só, a importância de uma economia saudável.
O Brasil está de frente para um 2021 que será desafiador. O pacote de estímulos fiscais do Brasil para enfrentar a pandemia foi imprescindível, mas não continuará viável por muito tempo, sob risco de paralisar ainda mais a atividade econômica. A rede de proteção não seguirá nos mesmos termos.
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Enquanto isso, as reformas estão na mesa, a administrativa se impondo com urgência. A reversão do crescimento do gasto público precisa ser priorizada por meio da modernização da administração pública, com uma nova concepção de Estado. Afinal, a quem interessa mantê-lo como está?
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