Expulsão de condomínio, multa por chiclete: o que temos a ver com isso?

A discórdia não precisa de muito esforço para crescer. Quando é plantada, basta ser eventualmente regada para, um dia, se tornar uma sombra sobre as pessoas

Publicado em 20/08/2024 às 01h00
Atualizado em 20/08/2024 às 14h25
12/12/2019 - Vitória - ES - Mercado imobiliário - Vista aérea de prédios de Vitória - Enseada do Suá
Vista aérea de prédios de Vitória . Crédito: Luciney Araújo

Quem assistiu à primeira temporada da série "Os Outros", na Globoplay, conhece a sensação. A descrição do comportamento de um condômino da Praia do Canto, em Vitória, cuja expulsão do próprio imóvel foi tornada definitiva pela Justiça estadual, acaba remetendo diretamente à produção, cuja segunda temporada acabou de ser lançada.

Agressões, brigas, arrombamentos, vandalismo, ameaças... quase tudo que permeou o enredo sobre a convivência inviável em um condomínio fictício da Barra da Tijuca se materializou nesse caso. A vida imita a arte e vice-versa num repetição sem fim.

Não são raros os casos nos quais a vida em sociedade parece estar por um fio. No último dia 8, um desentendimento entre dois vizinhos em Ilha da Conceição, em Vila Velha, quase terminou em tragédia. Um deles chegou a sacar uma arma, que falhou. 

A discórdia não precisa de muito esforço para crescer. Quando é plantada, basta ser eventualmente regada para, um dia, se tornar uma sombra sobre as pessoas. Um olhar enviesado, uma palavra mal colocada... mas principalmente quando as regras de convivência são quebradas, quando o desrespeito pelo espaço do outro (e nisso se pode incluir o próprio sossego de um vizinho) vira rotina, a situação pode sair de controle.

É por isso que até mesmo um chiclete cuspido na rua merece alguma dose de punição, por uma exigência da vida em sociedade. O caso chamou atenção na última semana, quando circulou nas redes sociais uma multa de R$ 130,16 aplicada pela Guarda Municipal de Vitória em um motorista. A infração:  "atirar do veículo ou abandonar na via pública objetos, ou substâncias". 

A regra é clara, por mais aparentemente insignificante que seja um chiclete (não é para quem pisa em um). A multa é mais educativa do que uma punição pesada. Quem a leva aprende que um chiclete pode sair bem mais caro do que o preço na embalagem. (Após a publicação deste editorial, o motorista que levou a multa entrou em contato com a redação para afirmar que na verdade havia cuspido na rua, durante uma blitz, mas recebeu a notificação por cuspir um chiclete no chão, dias depois.)

No fim, é tudo uma questão de limites. Não podemos sair arremessando lixo nas ruas, pelo simples fato de se tratar de um espaço público, de uso comum. No outro extremo das relações entre as pessoas, não podemos transformar em um inferno a vida em um condomínio. Tanto nos casos mais simples, relacionados a ruídos ou música alta em horários inadequados, quanto nos mais absurdos retratados pela coluna de Vilmara Fernandes. O comportamento antissocial do morador, com uma coleção de infrações, chegou a um ponto de não haver outra solução a não ser a expulsão do próprio imóvel.

Quando há desvios tão graves é a lei que deve ser aplicada. Não há outra saída. Mas devemos sempre pensar no nosso próprio papel nisso tudo: até que ponto, mesmo nas pequenas atitudes, não estamos sendo aqueles que impossibilitam a boa convivência? Não somente nos condomínios ou no trânsito, mas na fila da padaria, na reunião de pais e professores ou em qualquer outro lugar no qual a nossa vontade não deve se sobrepor a dos outros? Jean-Paul Sartre dizia que "o inferno são os outros", o problema é quando nós somos os outros de alguém.

Atualização

20 de agosto de 2024 às 14:24

Após a publicação deste editorial, o motorista que levou a multa entrou em contato com a redação para afirmar que na verdade havia cuspido na rua, durante uma blitz, mas recebeu a notificação por cuspir um chiclete no chão, dias depois. A Gazeta publicou nova matéria sobre o caso e o texto do editorial foi atualizado

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