Jair Bolsonaro está convencido de que os dados da pandemia estão sendo inflados, em uma suposta ação coordenada de governadores e prefeitos para derrubar seu governo. A narrativa delirante revela um modus operandi do presidente: nunca se responsabiliza por nada (nem pelos acertos de sua gestão, como aconteceu com a reforma da Previdência) e ataca opositores, reais ou imaginários, para fortalecer sua base de apoio com a polarização.
Em plena crise sanitária, essa postura inconsequente escalou a níveis impensáveis. Além de promover ataques constantes ao STF, ao Congresso, à imprensa, a governadores e prefeitos, os “inimigos do Brasil” na sua versão dos fatos, Bolsonaro agora instiga um claro ato criminoso. Em transmissão ao vivo na quinta-feira (11), orientou que a população invada hospitais para fiscalizar a ocupação de leitos de Covid-19.
“Arranja uma maneira de entrar e filmar. Muita gente vem fazendo isso, mas mais gente tem que fazer”, disse, com todas as letras. No dia seguinte, um grupo depredou uma ala do hospital Ronaldo Gazolla, no Rio de Janeiro. Episódios similares começaram a se replicar pelo país, o que levou o procurador-geral da República, Augusto Aras, a encaminhar pedidos de investigação a Ministérios Públicos nos Estados.
No Espírito Santo, o hospital Dório Silva recebeu uma visita surpresa de cinco deputados estaduais, que levantou críticas da Sesa de quebra de protocolos sanitários e desrespeito a profissionais de saúde e pacientes. Os parlamentares alegam que a vistoria não estava relacionada à recomendação de Bolsonaro e que o objetivo era apurar denúncias sobre as más condições de trabalho no local.
O motivo é nobre, e a fiscalização do Executivo é uma prerrogativa dos deputados. Mas há ferramentas legais para que o Legislativo cumpra essa missão crucial à democracia. O zelo pelas contas públicas e a investigação dos atos administrativos são bem-vindos, mas não podem ser obtidos segundo a atitudes voluntaristas de alguns parlamentares.
A invasão de hospitais tal como recomenda por Bolsonaro é condenável em muitas dimensões. É mais uma prova do negacionismo do chefe do Executivo, o que trava a agenda necessária do governo para enfrentar a crise. É um desrespeito aos pacientes que lutam pela vida e aos milhares de profissionais de saúde que estão na linha de frente da batalha, encarando jornadas exaustivas e risco de contaminação. É também condenável no campo jurídico. Incorre em diversos artigos do Código Penal e da Lei de Abuso de Autoridade, como incitação ao crime e obtenção de provas de maneira ilícita.
Mesmo que a fala do presidente não incentive as pessoas a, de fato, invadir hospitais, aumenta um já contraproducente clima de descrédito nos números da pandemia e nas ações de combate. É o mesmo espírito anticiência que guia Bolsonaro e seus seguidores a criticar a única maneira de frear a contaminação, que é o isolamento social. Quanto menor o comprometimento do mandatário e de parte da população, maiores serão as consequências da crise sanitária enfrentadas pelo Brasil, que já soma 44 mil óbitos. Bolsonaro faz jogo político com a pandemia. Um jogo em que ninguém ganha.
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