Feminicídio com punição simbólica é violência em pleno mês das mulheres

Imbróglio jurídico no caso da morte da cabeleireira Rosemary Justino Lopes em 2015 alimenta sensação de impunidade

Publicado em 13/03/2023 às 01h00
Feminicídio
Jesús Figón (à frente), diplomata espanhol acusado de assassinar a esposa no apartamento do casal em Jardim Camburi. Crédito: Reprodução / Carlos Alberto Silva

O momento não poderia ser mais inoportuno: um julgamento de um crime bárbaro - uma mulher de 56 anos morta com cinco facadas em Jardim Camburi - tem início em pleno dia 8 de março, data dedicada às lutas femininas por igualdade e respeito, já cercado pela expectativa de ser um evento jurídico sem resultados concretos, no caso de condenação.

Isso porque o réu, o diplomata Jesús Figón Leo, é um cidadão espanhol. A legislação do país europeu exige o espelhamento processual para acatar as decisões judiciais estrangeiras, o que não ocorreu, já que a Espanha não prevê a realização de júri virtual. Para a sentença valer, Jesús Figón deveria estar presencialmente no julgamento. A estratégia de defesa mais eficiente, portanto, foi não comparecer.

À época do crime, em 2015, o diplomata assumiu a autoria e teve o passaporte confiscado. Pela legislação espanhola, contudo, todo cidadão tem direito a cumprir pena no país, e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) cassou a determinação que o obrigava a permanecer no Brasil durante o processo. Desde 2017, Jesús vive fora do Brasil.

Tudo dentro da lei (da Espanha), sem nenhum esforço de obrigá-lo a se fazer presente.

Jésus foi então condenado a 9 anos e 4 meses no segundo dia de júri, em 9 de março. Pena que foi suavizada porque o acusado "reagiu sob emoção após provocação da vítima". A defesa no Brasil vai recorrer da decisão, o que é garantido pelo devido processo legal, não há questionamento quanto a isso.

A questão é se, depois das idas e vindas jurídicas, caso se confirme a condenação, haverá punição de fato para o espanhol. Somente com o trânsito em julgado a decisão será comunicada à justiça espanhola, o que pode se arrastar por anos. E não há nenhuma garantia de que a pena seja aplicada na Espanha.

Esse imbróglio jurídico no caso específico da morte da cabeleireira Rosemary Justino Lopes em 2015 alimenta sensação de impunidade. Principalmente no que diz respeito à violência contra a mulher. O que se espera nesses casos de tamanha covardia é que, ao menos, o julgamento seja para valer, sem deixar um gosto amargo de derrota.

É difícil demais encarar o fato de que é quase certo que não haverá punição, sendo que uma mulher já foi punida. Assim como Rosemary, tantas outras continuam a receber a pena capital, como o caso de Letycia Peixoto Fonseca, que foi morta em Campos (RJ). Ela estava grávida de 8 meses. O empresário capixaba Diogo Viola De Nadai é, segundo a polícia, suspeito de ser mandante do crime.

A maior derrota de uma mulher vítima de violência é a perda da própria vida. Quando o sistema jurídico abre brecha para não punir o algoz, é a justiça que também sai derrotada.

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