Uma noite de sábado chuvosa, em pleno outono, poderia ser o prenúncio de certa tranquilidade na pandemia, com as pessoas recolhidas em suas casas ao menos pela força das circunstâncias climáticas. Mas, em uma marina de Jardim da Penha, em Vitória, uma festa clandestina com aproximadamente 300 participantes corria solta em clima de verão, em um encontro completamente alheio à tragédia que ainda se abate sobre o Espírito Santo e o Brasil. É irônico que o individualismo e o egoísmo na crise sanitária sempre acabem se consumando nas aglomerações, em uma incongruente necessidade de se reunir.
A "balada", animada por DJs e frequentada primordialmente por jovens de classe média alta, acabou sendo alvo da fiscalização no último sábado (3). A ilegalidade do encontro, proibido pelo governo estadual para frear a disseminação da Covid-19, não impediu que vídeos do evento se espalhassem pelas redes sociais, numa demonstração de descaso e falta de empatia que já fazem parte da paisagem, desde o início da crise. Mas a recorrência não encolhe a indignação.
Pela tela dos smartphones, não há vergonha em aparecer ignorando o distanciamento social e o uso de máscaras, o que vale é o prazer momentâneo. E se, em último caso, o evento é alvo dos fiscais da prefeitura, acompanhados da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros, na cabeça dos frequentadores, o prejuízo é só uma festa interrompida. Que poderá continuar no próximo fim de semana, em qualquer outro lugar.
O proprietário do estabelecimento foi autuado, e o equipamento de som, apreendido. Em Vitória, do dia 1° de janeiro até este sábado (1º), as informações oficiais são de que mais de 1.500 locais foram alvo de fiscalização do Comitê Integrado, grupo que atua com equipes multidisciplinares para averiguar o cumprimento das medidas restritivas determinadas pelos governos estadual e municipal, com a autorização de encerrar festas clandestinas. Mas, para o cidadão que denuncia, a sensação que fica é a de que não está sendo suficiente.
Desde o verão, ainda na esteira do arrefecimento na pandemia nos últimos meses de 2020 que estimulou festas e reuniões, as denúncias de aglomerações em estabelecimentos à beira-mar ou em barcos foram comuns. No carnaval, uma marina do outro lado do Canal de Camburi, em Santa Luiza, também foi alvo de averiguação, com uma festa ilegal fechada e a apreensão do aparato de som.
Por mais que a fiscalização atue, nada parece impedir que eventos ditos secretos, mas organizados e divulgados amplamente nas redes sociais, continuem sendo produzidos. O setor é definitivamente um dos mais prejudicados pelas medidas de restrição, mas a clandestinidade é uma irresponsabilidade que exige punições mais duras.
Há jovens que ainda insistem que são invencíveis ao coronavírus. Mesmo que o crescimento do número de casos graves e mortes entre os 18 e os 29 anos tenha sido amplamente divulgado, a despreocupação no rosto de quem frequenta essas festas expõe uma ignorância inaceitável, em um mundo com tanto acesso à informação.
De fevereiro até meados de abril, o número de mortes entre pacientes dessa faixa etária, internados nos hospitais do Espírito Santo, cresceu 43,24%. E mesmo que não tenham as formas mais graves da doença, os jovens que não se previnem tornam-se perigosos vetores da Covid-19 para familiares e amigos.
Os eventos só continuam acontecendo porque há público. É sempre uma questão de oferta e demanda. Deveria, contudo, ser um caso de compromisso pessoal com o bem-estar da sociedade. Todos concordam que as restrições estão durando tempo demais, e em grande medida é justamente pela imprudência de uma parte considerável da população. É diferente de quem precisa sair de casa para garantir o sustento e, mesmo assim, toma os cuidados possíveis. Em uma festa, a exposição ao contágio é em troco de uma diversão momentânea, com o risco concreto de se tornar um sofrimento eterno para alguém.
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