Fiasco da Itapemirim na aviação mostra necessidade de legislação mais rigorosa

A tragédia da ITA tem a assinatura de um sistema que não consegue proteger consumidores e trabalhadores, mas também é resultado de uma certa megalomania empresarial que precisa ser muito bem investigada

Publicado em 21/12/2021 às 02h00
Avião da Itapemirim (ITA Transportes Aéreos)
Avião da Itapemirim (ITA Transportes Aéreos). Crédito: Gustavo Aguiar via Wikimedia Commons

voo inaugural da ITA Transportes Aéreos ocorreu exatamente um mês após a morte de Camilo Cola, o célebre fundador capixaba da Viação Itapemirim, no dia 29 de maio deste ano. O embarque do grupo, fora das mãos da família Cola desde 2017, na aviação civil poderia ter tido na ocasião a simbologia da renovação do legado do empresário.

Em circunstâncias normais, uma empresa de transporte rodoviário alçar voos mais longos pode dimensionar uma economia pujante, com potencial saudável de expansão. Mas em meio a uma pandemia que arrasou um setor que enfrenta desafios em todo o mundo mesmo em tempos menos críticos, a criação da ITA não foi capaz de provocar a euforia comum aos grandes empreendimentos.

Para piorar, a companhia aérea nasceu em meio a um arrastado processo de recuperação judicial que colocou em dúvidas a saúde do novo negócio desde o início.  Não era sem razão a desconfiança: a Viação Itapemirim deve cerca de R$ 250 milhões aos credores, além de R$ 2,2 bilhões em tributos. Um processo com idas e vindas na Justiça, e até juízes colocados sob suspeição. Desconfianças que não foram suficientes para impedir que os planos do grupo decolassem, com o aval da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e o entusiasmo do governo federal diante da expansão do setor.

Mesmo que especialistas no setor aéreo reforcem que o papel da agência reguladora é estritamente técnico, com a avaliação da capacidade de operação, e que a nova empresa tenha preenchido todos os requisitos para começar a atuar,  a crise que explodiu na última sexta-feira (17) com a paralisação das atividades da incipiente companhia aérea levantou as responsabilidades da Anac na averiguação dos aspectos financeiros da empresa. Mas o fato é que não haveria obstáculo para a autorização.

Não há na legislação a determinação de que uma empresa em recuperação judicial não possa abrir um negócio. Com o braço aéreo da Itapemirim tendo um CNPJ distinto da empresa rodoviária, o caminho ficou ainda mais livre para o voo da ITA. Circunstâncias que apontam que há algo de errado em um sistema que não consegue impedir que um grupo empresarial tão comprometido financeiramente decida investir em um setor tão complexo e dispendioso quanto a aviação comercial.

Antes mesmo do primeiro voo, os sinais de descontrole gerencial ficaram evidentes com o cancelamento de passagens já vendidas. Um mês depois, atrasos de pagamentos de funcionários já eram registrados. Vitória, capital do Estado que é o berço da Viação Itapemirim, nem chegou a receber voos da companhia, o que estava planejado para agosto passado.

Neste dezembro fatídico, 515 voos previstos até o fim do ano foram cancelados, o que vai provocar prejuízo para 45,8 mil passageiros em todo o país. Prejuízo que não é só financeiro. A Anac intimou a empresa a prestar assistência aos clientes que compraram passagens da companhia, mas é o tipo de cobrança inaceitável de ficar somente nas palavras. É a hora de cobrar as responsabilidades, sobretudo quando se tornou público que o atual dono da empresa, Sidnei Piva de Jesus, tem uma empresa offshore de R$ 6 bilhões no Reino Unido.

É um escárnio uma situação com tamanhas disparidades: um empresário com negócios prósperos no exterior, passageiros que podem não conseguir passar o Natal em família  e funcionários sem pagamento. A tragédia da ITA tem a assinatura de um sistema que não consegue proteger consumidores e trabalhadores, mas também é resultado de uma certa megalomania empresarial que precisa ser muito bem investigada.

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