Uma criança com fome é uma situação que se encaixa no rol das maiores derrotas sociais. Não há justificativas, não há desculpas. Quando a vulnerabilidade alimentar atinge um menino ou uma menina, é um sinal estridente de que falhamos como sociedade. Uma criança faminta é resultado de uma soma de erros que, quando se repetem, sobretudo pelas más escolhas humanas, alimentam um ciclo de miséria que atravessa gerações. Interrompê-lo é uma das maiores urgências nacionais.
A desnutrição infantil se reflete no desenvolvimento físico. Em 2021, mais de 6% das crianças até 5 anos atendidas pelo sistema público no Espírito Santo estavam em situação de magreza e magreza acentuada, percentual que segue a tendência da taxa nacional: 6,45%. Os dados foram compilados pela agência Fiquem Sabendo, com base no Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (Sisvan), do Ministério da Saúde.
É o caso de Davi Wilhas, de um ano de idade. Filho de Maria das Dores, que conta com uma renda mensal de R$ 1 mil para sustentar a família de cinco pessoas, Davi não tem o peso adequado para sua idade. Felizmente, ele recebe acompanhamento da Pastoral da Criança da Comunidade Cristo Redentor, em Jardim Tropical, na Serra. Importante mencionar que a entidade social criada pela CNBB está nessa frente de batalha em todo o país há quase 40 anos.
A pobreza avança. E essas crianças com carências nutricionais estão inseridas em famílias que atravessam um processo de empobrecimento com impacto direto na saúde e no bem-estar. Os dados do 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil mostram como a fome afeta os lares brasileiros. Em 60% dos domicílios, a rotina familiar é marcada pela preocupação constante com a falta de alimentos. Ou são famílias que simplesmente já passam fome.
O aumento do consumo de "subalimentos" no Brasil, produtos que até pouco tempo atrás eram descartados, como ossos e pele de frango, aponta um retrocesso alimentar sem precedentes nas últimas décadas. As pessoas estão desesperadas para colocar comida no prato, e a disparada nos preços abriu espaço até mesmo para o consumo de soro de leite. Obviamente, as necessidades fazem com que pais e mães consumam o que o bolso pode pagar, inclusive alimentos de baixo valor nutricional, como salsichas e biscoitos. Matam a fome momentaneamente, mas não alimentam.
A saúde de crianças subnutridas é debilitada, com baixa resposta imunológica. As deficiências de nutrientes podem levar a quadros graves, desenvolvendo inclusive problemas cognitivos que atrapalham o desenvolvimento educacional das crianças. No país em que tantos alunos são matriculados nas escolas apenas para comer, é de se pensar em como as carências alimentares afetam a própria qualidade da aprendizagem.
Um estudo do Banco Mundial fez um cálculo aterrador: uma criança brasileira nascida em 2019 deve alcançar em média apenas 60% do seu capital humano potencial ao completar 18 anos. É um desperdício intelectual que a fome e a pobreza, entre tantos outros desafios sociais, ajuda a impulsionar. Basta fazer a conexão entre a alimentação deficiente e as dificuldades de aprendizagem. Segundo a pesquisa, o produto interno bruto (PIB) brasileiro poderia ser duas vezes maior se as crianças atingissem seu potencial e o país chegasse ao pleno emprego.
As crianças nos dão uma prévia do que o Brasil será amanhã. Um rascunho do futuro. Uma criança sem comida na mesa só tem uma prioridade, incontestável: sobreviver. E aquilo que deveria protagonizar suas vidas, como a educação, torna-se mera figuração. O Brasil precisa oferecer as condições para que uma criança não precise todo dia se preocupar se terá um prato de comida. Só assim haverá dignidade, com acesso ao estudo e ao lazer, para desenvolver todas as suas potencialidades.
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