Quando, no início de setembro de 2019, a major Naíma Huk Amarante desembarcou em Cariacica à frente da Força Nacional de Segurança, sua promessa à população soou um tanto hiperbólica: "A gente vai, sim, extinguir a criminalidade em Cariacica". Sem desmerecer a determinação da major e da sua tropa, então com cem homens e mulheres, após 20 meses o cenário da violência no município da Grande Vitória não mudou tão drasticamente assim. Se é que houve mudança sensível.
Tanto em 2019 quanto em 2020, Cariacica liderou o ranking de homicídios no Estado. Foram 148 assassinatos registrados em 2019, passando para 174 no ano seguinte. Mesmo que o ano pandêmico tenha interrompido uma sequência histórica de redução de mortes em todo o Espírito Santo, o crescimento considerável em um município com a presença da Força Nacional pode ser de fato considerado um marcador de insucesso.
Em Paulista (PE), um dos cinco municípios brasileiros que também participaram do projeto-piloto Em frente, Brasil, houve uma pequena redução do número de homicídios de 2019 para 2020, de 88 registros para 84. Pode-se falar mais em manutenção da tendência do que queda substancial, por mais que mereça ser celebrada.
Esse exagero na fala da major, ao contribuir para elevar as expectativas em torno de uma ação com características de mapeamento e elaboração de estratégias para o enfrentamento da criminalidade, pode ter produzido um desvirtuamento dos objetivos mais imediatos do envio desse efetivo aos cinco municípios escolhidos. De forma alguma se poderia concluir que com um projeto experimental se acabaria com a violência nessas cidades. Mas, ao mesmo tempo, faltaram marcadores mais concretos do êxito do projeto. Ou pelo menos do aprendizado e da futura aplicabilidade desse conhecimento em políticas públicas consolidadas por todo o país.
Sobretudo porque, até a decisão de retirada da Força Nacional, efetivada no último dia 19, o Ministério da Justiça e da Segurança Pública não fez questão de divulgar resultados. No Espírito Santo, as autoridades de segurança pública estaduais reforçaram alguns êxitos da parceria, tanto na participação de integrantes da Força Nacional em operações importantes de combate a facções criminosas, quanto nos trabalhos de inteligência, essenciais para a precisão na hora de agir. Mas os resultados mensuráveis não foram divulgados, tampouco os valores gastos na empreitada.
Criado ainda na gestão de Sergio Moro, o Em frente, Brasil foi vendido como sendo o governo federal enfim assumindo suas responsabilidades na gestão da segurança pública, uma atribuição histórica das administrações estaduais. A integração é mais que bem-vinda, é necessária, principalmente se realizada com sinergia, segurança jurídica no papel dos entes e diálogo contínuo.
A violência endêmica não é local: facções de todo o país se comunicam, o tráfico se ramifica por todo o território nacional, e a circulação e o comércio de armas, inclusive nas fronteiras, são um desafio que não se restringe aos governos estaduais. Sem interlocução e ações integradas e inteligência ativa, enxuga-se gelo, apenas.
O governo federal não pode permanecer apático, tem seu quinhão de responsabilidade. A Força Nacional de Segurança, da forma que foi criada, existe para entrar em combate nas urgências e nas situações extraordinárias de instabilidade pública, como no caso da paralisação da Polícia Militar no Espírito Santo, em 2017. O envio das tropas para as cidades do Em frente, Brasil foi uma descaracterização que acabou não sendo bem explicada, e a despedida dos 50 membros que permaneceram em Cariacica até o último dia teve um tom melancólico inevitável.
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