A representatividade na política é um assunto que precisa começar a ser levado a sério dentro dos partidos, pois só assim as proposições e decisões serão capazes de refletir a própria sociedade em sua diversidade. Mas um importante instrumento legal instituído para aumentar o número de mulheres no Legislativo tem sido frequentemente desvirtuado para burlar a lei e também beneficiar os candidatos homens dentro das siglas.
Desde 1998, a legislação eleitoral determina a reserva de 30% das candidaturas a um dos gêneros, o que na prática beneficia o sexo feminino, historicamente apartado do processo político. E em 2018 uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) determinou o repasse proporcional do fundo partidário para campanhas femininas.
Por oportunismo dentro dos partidos, essas acabaram sendo as sementes dos chamados "laranjais", nos quais as candidaturas de fachada de mulheres são usadas para que recursos do fundo de campanha sejam repassados a candidatos homens. Ganhou repercussão em 2019 o "laranjal do PSL", então o partido do presidente Jair Bolsonaro. O esquema de candidaturas fictícias de mulheres em Minas Gerais foi uma denúncia de uma deputada federal da própria legenda. O então ministro do Turismo Marcelo Álvaro Antônio foi denunciado pelo Ministério Público de Minas Gerais em outubro daquele ano.
No Espírito Santo, o Tribunal Regional Eleitoral (TRE-ES) reconheceu, pela primeira vez, fraudes à cota de gênero nas eleições. Os mandatos de cinco vereadores no Estado, de Rio Bananal e Itapemirim, foram cassados recentemente, de acordo com o parecer da Procuradoria Regional Eleitoral no Espírito Santo (PRE/ES). Os parlamentares, contudo, continuam exercendo as funções até decisão em última instância do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Em Cariacica, tramita na Justiça Eleitoral um processo contra seis vereadores também por burlar a cota de gênero.
É imprescindível que os órgãos competentes estejam atentos a essas irregularidades. Em vez de um estímulo à participação feminina na política, as candidaturas de fachada servem apenas para constar, sem representar uma verdadeira mudança. Interessante lembrar que, nas últimas eleições municipais, em 2020, o número de mulheres candidatas a vereadoras no Estado bateu recorde, com mais de 4 mil na disputa.
Os partidos precisam ser, portanto, penalizados com mais rigor, para que passem a levar as candidaturas femininas a sério. Há relatos de candidatas que são simplesmente abandonadas pelas siglas durante a campanha, mas também há as que se candidatam por má-fé, para cumprir as cotas. Em 2020, o Ministério Público do Estado (MPES) realizou um evento para alertar as candidatas das consequências de embarcarem nessa aventura ilegal, o que pode culminar até mesmo em prisão.
As cotas não podem ser subestimadas, são um instrumento imperativo de engajamento dos partidos com as mulheres. Seu desvirtuamento registrado nesses casos denunciados não reduz a sua importância. As mulheres têm de abraçar as oportunidades de serem protagonistas, conhecendo seus direitos quando resolvem adentrar a política. E os partidos têm a chance de mostrar um compromisso com a virtude que parece estar cada vez mais escasso.
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