A futura gestão do Ministério da Educação (MEC) terá uma série de desafios para enfrentar a partir do primeiro dia de 2023. Entre todo o trabalho de reconstrução da pasta, após anos de desmonte durante o governo de Jair Bolsonaro, um ponto vai exigir atenção especial: o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).
Principal porta de entrada para o ensino superior, o exame passou por um esvaziamento nos últimos anos e deixou de despertar o interesse dos jovens. Tanto que o número de inscritos na prova saiu da casa dos 8 milhões, em 2016, para 3,39 milhões este ano — o segundo menor desde 2005.
Além de voltar a atrair os estudantes, o Enem também precisará ser reformulado para se adaptar à reforma do ensino médio. Aprovadas em 2017, as mudanças curriculares começaram a ser implementadas de forma gradual este ano, com o conteúdo sendo dividido por áreas: Ciências da Natureza e suas tecnologias; Linguagens e suas tecnologias; Ciências Humanas e sociais; e Matemática e suas tecnologias. Caberá ao estudante definir qual dessas áreas irá seguir durante sua formação no ensino médio.
O problema é que os estudantes já estão sendo inseridos nas novas diretrizes curriculares sem saber como o conteúdo que estão aprendendo será aplicado no Enem nos próximos anos. A previsão é que, a partir de 2024, o exame adote o novo modelo. De que forma? Não se sabe. Os rumos não foram divulgados pela atual gestão do MEC.
Mas o que se espera é que o ensino médio deixe de ser pautado e passe a pautar o Enem. Atualmente, os alunos são impelidos a estudar os temas que, historicamente, são cobrados na prova. Com a mudança, o exame precisará se adaptar àquilo que esteja no novo currículo dos estudantes.
Se não há, ainda, respostas para os estudantes sobre o futuro do Enem, também há o risco de faltarem perguntas. Servidores do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), responsável pela elaboração da prova, afirmam que nos últimos anos não houve atualização do Banco Nacional de Itens (BNI), de onde são retiradas as questões para o exame.
Ao UOL, um funcionário da autarquia disse que foi preciso “raspar o tacho” para elaborar o Enem 2022. O “ineditismo” do exame foi garantido, disse ele, graças à reciclagem de questões descartadas de outras edições. Mas algumas delas não teriam passado pela fase de “pré-teste”, uma das etapas estabelecidas antes da aplicação na prova. Assim, a futura gestão do MEC também terá de evitar o risco de “apagão” de perguntas para o Enem 2023.
Cenário que não chega a ser surpresa, em meio às crises internas registradas no Inep. Pouco antes do exame do ano passado, servidores denunciaram supostos casos de assédio no órgão e apontaram tentativas de intervenção e interferência no sigilo da prova. O que culminou com o pedido de demissão por parte de 31 gestores do instituto, insatisfeitos com a situação.
O Inep também precisou lidar com “fogo amigo”. Como um Narciso que acha feio o que não é espelho, ao assumir o cargo em 2019, o presidente Jair Bolsonaro disse que o Enem passaria a ter “a cara do governo”, com questões ligadas a sua própria ideologia.
Porém, o conteúdo da prova deste ano demonstra que, ao menos em parte, essa interferência não se concretizou. Perguntas sobre fome, racismo e feminismo mostraram um exame mais antenado com questões sociais e identitárias do país. O próprio tema da redação — “Desafios para a valorização de comunidades e povos tradicionais do Brasil” — comprova isso. Mas é preciso ressaltar que questões relacionados ao período da ditadura militar — defendida pelo governo federal — não são abordados pelo exame desde 2019.
Os problemas no Inep refletem o órgão a que está vinculado. Desde 2019, o MEC está envolvido em gestões turbulentas. Ricardo Velez e Abraham Weintraub saíram do ministério sem deixar saudades. Sucessor deles, Milton Ribeiro chegou a ser preso depois de pedir demissão. Ele foi alvo de denúncias de corrupção, com suspeitas de favorecimento a pastores evangélicos na distribuição de recursos da pasta.
Sucessão de problemas que deixa evidente a necessidade de remontar uma área fundamental para o Brasil. Não há futuro para o país sem uma base educacional forte, da infância à juventude. Do desenvolvimento científico ao mercado de trabalho, tudo passa pela presença de profissionais com formação sólida. E o Enem precisa ser um termômetro para consolidar essa construção escolar.
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