Os deputados estaduais passaram, em 2020, quase seis meses cumprindo seus compromissos legislativos de forma remota. Em março, com o planeta passando a encarar oficialmente uma pandemia, as atividades presenciais foram suspensas, sendo retomadas em setembro em um modelo híbrido, com o plenário ocupado por parte dos parlamentares enquanto outros participam de sessões virtuais, formato que segue até o momento.
Portanto, quando se constata que a despesa com combustível no ano de crise sanitária, de R$ 213 mil, tenha representado uma redução de 36% em relação ao ano anterior, período no qual não havia as restrições impostas pelo isolamento social, fica a sensação de que a economia poderia ter sido maior.
Mesmo que se leve em conta as variações no preço da gasolina de um ano para o outro, o gasto com deslocamento na Assembleia ainda é uma pedra no sapato. Sobretudo por representar 60% do que os deputados estaduais usaram da cota parlamentar de janeiro a dezembro.
Atualmente, cada deputado tem direito a um carro oficial modelo Toyota Corolla GLi 2020, alugados e bancados pelo Legislativo Estadual. Em junho do ano passado, 12 dos deputados haviam devolvido os carros oficiais à Assembleia. O Portal da Transparência, no site da Assembleia, mostra contudo que a maioria voltou a ter gastos com deslocamento o segundo semestre.
Dos 30 parlamentares, apenas quatro abriram mão do carro oficial, antes mesmo da pandemia: Emílio Mameri (PSDB), Fabrício Gandini (Cidadania), Carlos Von (Avante) e Doutor Hércules (MDB).
O uso, em tese, é restrito a atividades relacionadas ao mandato. Os parlamentares utilizam os carros para cumprir agendas e visitar suas bases eleitorais, inclusive em viagens pelo interior do Estado. O deslocamento cotidiano entre a residência dos deputados e Assembleia também entra no pacote, uma permissão que pode, sim, ser moralmente contestada pelo contribuinte. Afinal, não são poucos os trabalhadores que são obrigados a arcar com o transporte diariamente para o trabalho.
Há uma névoa que envolve a fiscalização do uso desses carros oficiais, abastecidos com a gasolina paga pela cota parlamentar. Não cabe a desconfiança generalizada, mas denúncias de abusos, com flagrantes de automóveis sendo usados para fins pessoais, têm um histórico na Assembleia que não pode ser desconsiderado.
Falta um controle organizado, com punições que inibam esse patrimonialismo intricado na relação com o dinheiro público. E não é somente na Assembleia, os demais Poderes também devem ser mais bem fiscalizados.
No ano passado, a própria obrigatoriedade na identificação dos veículos oficiais se transformou em um guerra entre os Poderes estaduais, após o deputado Capitão Assumção (Patriota) se envolver em um acidente em Ecoporanga, em janeiro, utilizando um veículo oficial sem identificação. O Tribunal de Contas do Espírito Santo (TCES) já havia cobrado, em julho de 2018, que os veículos fossem identificados. Regra que, naquele momento, não estava sendo cumprida, com muitos carros flagrados sem adesivos.
Houve reação na Assembleia, e foi apresentado e aprovado um projeto de lei para estabelecer a mesma regra para todos os Poderes. O texto acabou vetado pelo governador Renato Casagrande, que alegou inconstitucionalidade da matéria, e o veto foi derrubado pelos parlamentares. A decisão acabou na Justiça, por provocação do Ministério Público Estadual. O Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES) terminou reconhecendo a inconstitucionalidade.
Os gastos com gasolina em 2020, que permitiriam percorrer os 4.650 quilômetros da BR 101, de Norte a Sul do país, 132 vezes, aponta para a necessidade de mais racionalidade no gasto público. Há algum controle do combustível utilizado nos carros oficiais, abastecidos com o uso de um cartão específico, com gastos que podem ser checados no Portal da Transparência. A questão é sempre uso dos carros em si. Mesmo que não haja irregularidades, não há controle para evitar abusos, e o que seria uma forma de custeio da atividade parlamentar pode acabar sendo uma regalia com dinheiro público.
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