Antes de a pandemia sobrecarregar as contas públicas, a saúde fiscal dos municípios brasileiros já dava sinais de esgotamento. Uma em cada três cidades, segundo o Índice Firjan de 2019, o mais recente, não possuía arrecadação própria suficiente para bancar sua estrutura administrativa. Quase três em quatro estavam em situação difícil ou crítica. Com o efeito trator do coronavírus na economia, os desafios impostos a prefeitos e vereadores eleitos neste mês serão ainda maiores. Gestão fiscal e estratégia não serão apenas recomendadas, como sempre foram, mas sim cruciais para não deixar uma imensa parcela da população desassistida.
A combinação de fatores é explosiva. Além dos gastos já exorbitantes com a máquina pública e a folha dos servidores, que têm sugado a capacidade de investimento das cidades, as gestões municipais agora terão que lidar com uma procura maior por serviços públicos, fruto do desemprego e do empobrecimento da população. Isso em um contexto de queda na arrecadação de impostos, dependente que é da atividade econômica. Não há saída: terão que fazer mais com menos.
Duas áreas exigem especial atenção: saúde e educação, pela sobrecarga e pela importância. Não apenas os investimentos no atendimento aos pacientes da Covid-19 vão continuar, enquanto a vacina não chega, como o SUS terá que dar conta da demanda reprimida por exames e consultas, uma vez que muitas pessoas adiaram procedimentos devido à pandemia. O esfacelamento da renda também vai pressionar ainda mais a rede pública, com uma nova leva de usuários que abandonaram planos privados. Mais de 364 mil pessoas perderam ou cortaram seus planos de saúde entre março e junho de 2020, de acordo com o Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS).
O mesmo cenário é esperado na rede pública de ensino, que certamente terá um aporte maior de alunos a partir de 2021. Além da exigência de mais vagas, prefeitos precisarão enfrentar os já conhecidos problemas logísticos das aulas presenciais, com as necessárias medidas sanitárias, como também os reveses pedagógicos, já que o rendimento deste ano letivo foi, se não perdido, no mínimo deficitário para milhões de estudantes. A procura por creches terá que ser prioridade, por alicerçar uma série de outras políticas sociais, como segurança alimentar, e por permitir tempo aos pais para o trabalho formal.
Transporte público, carência de moradias populares e aumento de pessoas em situação de rua são outras adversidades escalonadas com a pandemia. A segurança pública destaca-se como uma das principais demandas dos eleitores, sobretudo na Grande Vitória, com o número de homicídios batendo recordes. Apesar de não ser atribuição das esferas municipais, as prefeituras têm papel decisivo na redução da criminalidade, com cercos inteligentes, guardas civis e até ampliação da iluminação pública. Para não deixar uma parcela expressiva dos cidadãos na mão, os executores do Orçamento e das políticas públicas terão que enfrentar com ainda mais comprometimento as metas de equilíbrio fiscal e eficiência na gestão.
A situação é dramática, mas não precisa ser trágica. Há medidas incontornáveis aos prefeitos que pretendem deixar a marca de bons gestores. A primeira delas é enxugar a máquina pública, cortando sobretudo os cargos comissionados. A segunda é racionalizar os gastos, alocando em áreas prioritárias. Para tanto, conhecer bem a cidade e realizar um diagnóstico dos problemas locais será essencial. Outra saída é atrair investimentos privados. Com o cobertor curto, sem capacidade de investimento direto, será preciso vencer preconceitos e corporativismo para buscar parcerias público-privadas, lastreadas em estudos técnicos que apontem sua viabilidade. Sem área de manobra, não há espaços para erro. Neste cenário de crise, desperdício de dinheiro público não é apenas condenável, é desumano.
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