As ações antidemocráticas, que impregnaram o corpo e a alma de bolsonaristas em acampamentos por todo o país nos últimos meses, já poderiam ser consideradas inaceitáveis desde o primeiro momento em que o resultado das eleições de 2022 foi contestado.
O que se testemunhou neste domingo (8) foi algo muito além do inaceitável. Pessoas que se autodenominam "patriotas", sem a menor compreensão do significado de nação, promoveram um dos episódios mais vexatórios da história nacional, com um ataque criminoso à democracia.
A sequência dos acontecimentos, desde o resultado das urnas 30 de outubro, será alvo de estudos e análises por muitos anos. Sobretudo porque o script bolsonarista seguia à risca o roteiro trumpista, cujo golpismo culminou no ataque ao Capitólio em 6 de janeiro de 2020.
A mobilização nas rodovias em novembro, o vandalismo em Brasília no dia da diplomação de Lula em dezembro, a bomba encontrada nas imediações do Aeroporto de Brasília nos últimos dias do ano. É inacreditável que, diante de todos os sinais, Brasília estivesse ainda tão vulnerável como neste domingo.
Nas redes sociais, a "festa da Selma" se disseminava havia dias por hashtags, um enigma facilmente decifrável por qualquer civil de que algum tipo de ação estava sendo planejada em Brasília no domingo. Na véspera, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, havia assinado portaria autorizando a atuação da Força Nacional diante de "ameaças veiculadas contra a democracia". No domingo, por volta das 13h, a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) chegou a emitir um alerta de que o grupo na área do QG do Exército planejava depredar o patrimônio público nas sedes dos Três Poderes.
A Capital Federal se viu tomada por ônibus de todo o país, e não houve autoridade capaz de presumir os riscos. Um secretário de Segurança, egresso do governo Bolsonaro, nem sequer se fazia presente na cidade. O governador com fortes laços bolsonaristas resolveu abraçar a omissão, conivente ou não. Mesmo que as forças policiais tenham feito vista grossa por alinhamento ideológico, é fato que a ausência de uma autoridade que exigisse o cumprimento da ordem foi a brecha colossal para o caos que se instaurou.
O próprio governo federal, sob novo comando desde 1º de janeiro, poderia ter exercido sua influência e exigido mais segurança. Flávio Dino chegou a pedir o bloqueio total do acesso à Esplanada dos Ministérios, o que foi negado pelo governador Ibaneis Rocha, agora afastado do cargo. Em uma situação crítica dessa magnitude, o Executivo federal deveria ter se imposto com mais veemência. Assim como a postura maleável do ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, também merece desaprovação.
A democracia se baseia no diálogo, na busca pelo consenso e no cumprimento das leis. A repressão, portanto, está incluída nesse pacote, para aqueles que, por insistência, não seguem as suas regras. É o caso desses golpistas. O estrago foi feito, e a única forma de não se criar um precedente para mais crimes é a força do exemplo. Há a punição para a massa que transformou a Praça dos Três Poderes em um pardieiro, com danos ao patrimônio público (alguns deles irreversíveis): a Polícia Federal já informou que vai indiciar os 1,2 mil presos no QG por terrorismo.
Mas há sobretudo que se encontrar e punir, com o rigor da lei, os financiadores desse caos. Aqueles que pagaram ônibus e alimentação para que a horda de arruaceiros chegasse até Brasília. A PF já tem suspeitos de elo econômico com os atos golpistas em dez Estados, segundo o ministro Flavio Dino. É investigação prioritária para o país, a esta altura dos acontecimentos. O extremismo só vai ser derrotado com o exemplo, com a força institucional brasileira. Que, depois deste domingo, mostrou-se inabalável.
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