A denúncia de que, menos de uma semana após terem sido entregues durante a visita do presidente Jair Bolsonaro, já há casas do Residencial Solar, em São Mateus, colocadas à venda, não é uma novidade dentro do Minha Casa, Minha Vida, rebatizado de Casa Verde Amarela pelo atual governo. Há registros em todo o país de casos de mutuários contemplados no programa que vendem ou alugam o imóvel antes de quitar as prestações, sendo essa uma das principais irregularidades desde a criação do MCMV, em 2009. No Espírito Santo, nos condomínios Residencial Vila Velha 1 e 2, em Jabaeté, em Vila Velha, foram identificados 17 casos de repasse irregular de apartamentos a terceiros, em 2016.
Em São Mateus, a prefeitura identificou três anúncios, de pessoas diferentes, publicados em redes sociais com casas populares do Residencial Solar, no bairro Aroeira, à venda. Em uma das publicações, é possível ver o valor de um dos imóveis: R$ 22 mil. A questão é que, na faixa 1 do programa habitacional, os beneficiários só podem vender o imóvel quitado e, no caso de anteciparem a quitação, precisam previamente pagar o subsídio das parcelas. Essa proibição de venda se dá justamente pelo fato de o governo federal subsidiar até 90% dos valores das parcelas do financiamento.
O programa habitacional existe para garantir moradia, não lucro, para quem participa. A impossibilidade de comercializar o imóvel adquirido é a segurança que a União tem, como provedora, de que os recursos públicos investidos para garantir habitação a pessoas de baixa renda estejam de fato sendo aplicados dentro da finalidade do programa. Quando um mutuário negocia essas casas, ainda financiadas, ele se desvirtua dos objetivos e de certa forma se apropria de um bem público. E ainda tirando a oportunidade da casa própria de quem realmente quer um imóvel para viver.
A entrega das obras do Residencial Solar ocorreu após seguidos atrasos no cronograma, gerando uma espera de quase 10 anos pelas 434 casas por centenas de famílias. Com a inauguração, apenas metade dos imóveis está autorizado para o uso. A prefeitura de São Mateus informou que nenhuma das unidades foi quitada e, portanto, as transações de venda, se confirmadas, são ilegais. Nem mesmo o aluguel se enquadra nas regras. A Secretaria de Assistência Social de São Mateus acionou a Polícia Civil para investigar o caso.
É importante averiguar se as pessoas que colocaram os imóveis à venda na internet foram contempladas e estariam tentando passá-los para frente ou se seria alguma espécie de vingança por alguém que não conseguiu uma casa no residencial. A própria secretaria aventou essas duas possibilidades.
Contudo, há registros de comércio ilegal de imóveis do programa habitacional em vários Estados do país, muitas vezes de forma organizada. Em Bauru, no interior de São Paulo, o Ministério Público Federal (MPF) chegou a investigar esse tipo de fraude há dois anos. Na época, 19 pessoas foram denunciadas à Justiça por crime de estelionato. A reportagem do G1 conseguiu inclusive flagrar um advogado que admitiu realizar contratos de gaveta. Ou seja, o negócio se dá sem que a Caixa Econômica Federal, que é a gestora do programa, tome conhecimento da venda. O banco, obviamente, não reconhece essa comercialização paralela.
Quem adquire imóveis dessa forma se arrisca, porque não há reconhecimento legal da compra. Se houver denúncia e ela se comprovar, o imóvel volta para a Caixa. Trata-se de um negócio ilegal e arriscado, mas na surdina acaba ocorrendo, diante da incapacidade de fiscalização. No caso de São Mateus, anúncios foram feitos na internet, só não se sabe ainda com qual propósito. Em um episódio tão explícito quanto esse, a investigação precisa ser rápida e objetiva, para impedir que a prática se dissemine.
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