"Não há mulher guerreira nenhuma aqui. O que existe é a protagonista da própria vida. Porque a guerreira é acúmulo. A protagonista é escolha." A mulher por trás dessa sentença assertiva fez algumas escolhas de vida importantes: atriz, escritora, roteirista e filósofa, Suzana Pires resolveu ainda abraçar a causa feminista ao fundar o Instituto Dona de Si, em 2019. Não que tenha sido fácil para ela trilhar esse caminho multifacetado, mas decidiu inspirar outras mulheres no sentido prático e objetivo, estimulando ao mesmo tempo o autoconhecimento e a autoestima como motores das decisões profissionais a serem tomadas.
Foi com essa bagagem que ela participou da roda de conversa virtual do projeto "Todas Elas", na última terça-feira (18), com o tema “Liderança feminina e a guerra contra o machismo nas empresas”. A iniciativa da Rede Gazeta, nascida em setembro de 2020 com o intuito de ser um espaço fomentador de debates para compreender as raízes da violência contra a mulher no Espírito Santo e combatê-la com ideias e proposições, chegou agora a sua terceira fase, com foco na educação, no conhecimento e no empoderamento como ferramentas essenciais para estimular o crescimento de lideranças femininas no setor privado e na política.
O entendimento é de que as escolhas transformadoras no campo profissional e pessoal fazem parte da mudança cultural capaz de gerar a esperada equidade entre os gêneros e, consequentemente, impactar na redução da violência contra a mulher. Isso porque a dependência financeira pode alimentar relacionamentos abusivos. Nesses casos, as mulheres se veem encurraladas e incapazes de pôr fim à relação ou denunciar seus companheiros. A autonomia financeira tem um potencial libertador.
Não basta olhar para os exemplos de mulheres bem-sucedidas em suas carreiras, pois elas ainda não são um recorte fidedigno do que acontece na sociedade. Os avanços pontuais são importantes e devem ser considerados, mas a transformação é estrutural. Exige políticas públicas, bem como diretrizes empresariais. O machismo se manifesta muitas vezes de forma velada, enraizando preconceitos que mantêm a mulher em posições de submissão que, nos casos mais graves registrados com uma frequência inadmissível, acabam em violência e morte.
Por mais que as mulheres tenham ganhado espaço no mercado de trabalho nas últimas décadas, seu papel ainda é, sobretudo, de coadjuvante nas grandes posições das empresas e do cenário político. Pesquisa do IBGE de 2019 mostrou que apenas 37,4% dos cargos gerenciais no país são ocupados por mulheres, índice que se mantém estável desde 2019, variando entre 36% e 39%. Na escala mais alta das grandes companhias, esse percentual se afunila, como aponta um estudo da consultoria Bain & Company e da rede social Linkedin: apenas 3% dos CEOs do Brasil são do sexo feminino.
E a pandemia tende a agravar ainda mais o status da vida profissional das mulheres, alijando-as do mercado de trabalho e prejudicando ainda mais a paridade de remuneração. Dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) mostram que, no Espírito Santo, o saldo do emprego para os homens (diferença entre contratações e demissões) foi oito vezes maior que o de mulheres entre março de 2020 e março deste ano. A desproporção é visível.
Na política não é diferente: o Mapa das Mulheres na Política 2020, realizado pela ONU Mulheres e pela União Interparlamentar (UIP), indica que o Brasil ocupa o 140º lugar no ranking de representação feminina no parlamento. Na Câmara, há 77 deputadas, o que corresponde a 15% do total das 513 cadeiras. No Senado, a participação feminina é de 14%, com 12 das 81 vagas ocupadas por mulheres.
O Espírito Santo, nas últimas eleições municipais, registrou um aumento de 15% no número de vereadoras eleitas, em relação a 2016, com 91 cadeiras nas câmaras ocupadas por mulheres. Já na disputa pelas prefeituras, houve um recuo em relação ao pleito anterior. Em 2020, somente uma mulher se tornou prefeita no Espírito Santo: Ana Izabel Malacarne de Oliveira (DEM), em São Domingos do Norte. Em 2016, quatro mulheres foram eleitas para o cargo.
São dados que, de forma mais generalizada, conduziram a conversa promovida pelo Todas Elas. O evento on-line teve, além de Suzana Pires, a presença da vice-governadora do Espírito Santo, Jaqueline Moraes; da gerente do programa Ganha-Ganha da ONU Mulheres, Tayná Leite; e da gerente-executiva de Gente e Gestão da Suzano, Fabiana Piva.
A contribuição de cada uma foi valiosa pelas diferentes vivências, mas com o consenso de que a pluraridade nas corporações fornece um conhecimento sobre a sociedade capaz até mesmo de aumentar a lucratividade e a competitividade. Todos ganham com inclusão e equidade. As frentes LGBTQ+, pessoas com deficiência (PcD) e raça também estão nessa batalha por espaço no mercado de trabalho. Muitas empresas já entenderam isso e estão criando metas para ampliar a diversidade em seus quadros de funcionários e reduzir as disparidades salariais. É um compromisso social.
Mulheres precisam ser estimuladas a encarar desafios, quaisquer que sejam: uma candidatura a algum cargo público, uma vaga gerencial em qualquer área de atuação ou um novo empreendimento. Para isso, a educação é sempre decisiva, com um papel que está além do ensino de qualidade e da democratização do acesso a ele: é uma evolução cultural que precisa ser naturalizada entre esses cidadãos em formação, para que cada menina possa ser o que bem quiser, sempre a protagonista de sua própria vida. Com todo o respeito que merece.
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