No período entre 1º de março e 30 de abril, 32 milhões de brasileiros têm o compromisso inescapável com a prestação de contas com o Leão. Um número que, em um país com mais justiça tributária, seria consideravelmente menor, se os 13,9 milhões de contribuintes com renda mensal entre R$ 1.903,98 e R$ 4.022,89 por mês estivessem isentos do pagamento do tributo. No Espírito Santo, onde 635 mil pessoas declaram o Imposto de Renda atualmente, quase 255 mil contribuintes, ou 40,1% do total, estariam livres dessa obrigação anual, com a devida correção da tabela.
Não tem jeito: é nesta época em que bens e renda são colocados na ponta do lápis e o peso do imposto é sentido no bolso até mesmo daqueles que terão valores restituídos que o impacto da carga tributária brasileira fica mais perceptível para o assalariado. Entre deduções e valores não tributáveis, a dinâmica desse acerto de contas anual é extenuante, sobretudo em um país no qual as contrapartidas não se materializam na qualidade nos serviços públicos.
A defasagem da tabela do Imposto de Renda chegou a 113,09% em 2020, considerando a inflação acumulada de 1996 a 2019 e as atualizações executadas no mesmo período. Para piorar, desde 2015 não há nenhum ajuste. Essa inadequação é ruim para o trabalhador, mas excelente para o governo, por garantir receitas fiscais. E é preciso ser realista: no atual contexto pandêmico, com necessidade constante de gastos extraordinários, não há perspectiva de que essa injustiça histórica seja corrigida.
O presidente Jair Bolsonaro já desconsiderou a própria promessa de campanha, quando garantiu que elevaria a faixa de isenção para R$ 5 mil. Após a justificativa do "país quebrado", o presidente fez um novo aceno, consideravelmente mais modesto, ao prometer em janeiro passado aumentar a faixa para R$ 3 mil no próximo ano. Se der início a uma trajetória de gastos públicos para se reeleger em 2022, dificilmente conseguirá transformar intenção em ação.
A omissão quanto à defasagem, que não é primazia do governo Bolsonaro e se acumula há décadas, significa que a cada ano mais brasileiros passam a ter a obrigação tributária, com pessoas cada vez mais pobres ingressando na faixa de contribuição, enquanto o imposto fica mais pesado no bolso de quem já paga.
É uma punição severa sobre quem tem rendas mais baixas, mas que também pode fazer um contribuinte com salário de R$ 5 mil ter o valor de R$ 505,64 recolhido na fonte por mês, quando deveria pagar apenas R$ 73,28 se a tabela não estivesse defasada.
Além ser um reparo fiscal importante, uma tabela mais equânime tem potencial de injetar dinheiro para o consumo, com o aumento da renda. Um estudo realizado pela FecomercioSP, em novembro do ano passado, mostrou que R$ 60 bilhões passariam a circular na economia nacional com a modulação tributária. É dinheiro no bolso das pessoas, prontos para serem gastos em produtos e serviços e voltarem para os cofres públicos, também na forma de impostos.
É até compreensível que a pandemia tenha sido um freio, neste momento, para a concretização de uma correção robusta, que varra do mapa a injustiça no pagamento do Imposto de Renda. Mas o histórico brasileiro mostra que sempre houve justificativas, coerentes ou não, para se perpetuar a iniquidade. Falta competência aos governantes para executar reformas estruturantes que abram portas para uma arrecadação mais vigorosa, fruto de investimentos no país, e libertem o trabalhador assalariado da condição de refém tributário.
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