Quase um ano após ingressar na pandemia do novo coronavírus, e ainda chafurdando na tragédia de uma segunda onda, o Brasil começa a conhecer os impactos mais profundos e longevos da crise. Cidadãos que sofrem com o esfacelamento dos empregos e da renda têm sentido no bolso um desses efeitos, que deve perdurar por todo o ano de 2021: o aumento generalizado dos preços, que corrói o orçamento familiar e amplifica uma das maiores mazelas do país, a desigualdade social.
Alimentos e bebidas responderam por quase metade da inflação de 2020. Sozinhos, os produtos comprados para consumo dentro de casa, como o famigerado arroz, acumularam alta de 18,15% no ano passado, o maior aumento em 18 anos. Em Vitória, o custo da cesta básica já representa 57% do salário mínimo, o maior percentual em uma década. O IPCA, régua para o custo de vida, teve o sexto aumento consecutivo em janeiro na Grande Vitória. Altas em habitação, eletrodomésticos e planos de saúde também incineram o orçamento doméstico. E vem mais por aí. A conta de luz pode subir, em média, 13% neste ano.
Os números traduzem-se muito concretamente no dia a dia de milhões de pessoas, para algumas muito mais do que para outras. A Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio aponta que, na média, os 10% mais ricos perderam apenas 3% da renda com a pandemia, enquanto os 40% mais pobres perderam 30%. Isso significa que, enquanto alguns brasileiros passam quase incólumes pela crise, estourando as vendas de setores do mercado de luxo, por exemplo, outros milhões precisam cortar até mesmo gastos essenciais, como medicamentos e moradia.
Até aqui, o auxílio emergencial funcionou como um colchão, que impediu um tombo ainda maior. O futuro do benefício, no entanto, é incerto. O que se sabe é que, se sair, será menor do que o que vinha sendo pago até dezembro. E vem mais por pressão política do que por visão de governo. Na última sexta-feira (12), o presidente Jair Bolsonaro sugeriu que a população cobrasse a ajuda financeira de governadores, “de quem te determinou ficar em casa, fechou o comércio e acabou com seu emprego”.
A inflação é fruto de um emaranhado de fatores, tanto internos, quanto externos. Incluem câmbio, flutuação das commodities, aumento da exportação, fechamento de fábricas devido às restrições sanitárias. As causas têm pouco ou nada a ver com atos da administração pública. Mas como o Brasil vai reagir ao choque inflacionário, sim. Caso não reaja, o país pode afundar em um cenário de estagflação, que combina estagnação econômica, ou mesmo retração, com custo de vida a galope. Um combo fatal, que deve ser combatido com medidas para geração sustentada de renda e redução de vulnerabilidades sociais.
População e mercado estão de olho nos sinais do governo federal para reativar a economia, mas pouco tem saído do Planalto, face à magnitude do problema. Sem definição sobre auxílio, sem programa eficaz de ajuda a micro e pequenas empresas, sem engajamento no ajuste fiscal e nas reformas estruturantes, o rumo certo é o aumento do desemprego e da pobreza. A vacinação em massa, única saída para salvar vidas e, de quebra, liberar o país para a retomada plena das atividades, também é tratada com nítida incompetência pelo Executivo — em várias cidades, as doses recebidas já acabaram.
Em um Congresso Nacional que custa aos brasileiros mais de R$ 30 milhões por dia, é preciso um gesto claro de que a classe política está comprometida a racionar gastos públicos. Os ares parecem ter começado a mudar na semana passada. Após longa negociação, a equipe econômica cedeu à cobrança por nova rodada de auxílio, enquanto o Senado prometeu vincular o benefício a mecanismos de ajuste fiscal. Se a medida, que era a mais urgente, embora apenas paliativa, foi costurada em ritmo tão moroso que representará um hiato de dois meses no pagamento da ajuda financeira aos mais necessitados, o prognóstico para a conclusão das necessárias reformas não é nada animador. E o Brasil tem pressa.
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