No ano passado, uma fila se formou em frente a um açougue de Cuiabá, no Mato Grosso, que doava ossos para quem não tinha condições de comprar carne. A imagem ganhou o noticiário, mas não foi um caso pontual. A inflação acabou fechando o ano em dois dígitos, a renda continua despencando, e o consumo de partes do boi e do frango antes descartadas vem sendo incorporado por famílias do Espírito Santo. O retrocesso econômico tem a sua real dimensão quando o impacto social se faz evidente.
A situação chegou ao ponto de nem mais se considerar a doação desses "cortes", como mostra o relato da aposentada Marlene Silvino, moradora de Nova Canaã, em Cariacica. Ela passou a consumir a cartilagem do joelho do boi, chamada de "catuni", mas agora precisa pagar por ela. "Primeiro ele era doado, mas hoje é tudo comprado", lamentou. O próprio "catuni" é um luxo na dieta da família, que consome ovos no dia a dia. Marlene integra a estatística que mostra que em 2021 houve o menor consumo de carne por pessoa em 16 anos no país.
E 2022 já dá sinais de que não deverá ser diferente. Em janeiro, a inflação avançou 0,54% em relação a dezembro, acumulando alta de 10,38% em 12 meses. O nível mais alto para um mês de janeiro desde 2016. E é justamente o custo da alimentação no domicílio que pressionou o índice, com alta de 1,1%.
Comer está cada vez mais caro, o que coloca em risco alimentar parcelas cada vez maiores da população. A inflação corrói a renda da classe média e achata seu poder de compra, ainda sob o abalo do desemprego. Mas é entre os mais pobres que ela é cruel, por acender o farol da miséria.
Isso sem falar que o Índice de Preços ao Consumidor (INPC), que mede o impacto na cesta de consumo das famílias com renda até 5 salários mínimos, foi superior ao IPCA no mesmo período, subindo 0,67%. A carestia está provocando um empobrecimento da população que não está só na teoria. É possível observar esse fenômeno nas ruas. E, quando pior, senti-lo na pele.
Analistas afirmam que em 2022, diante das controversas propostas para conter o preço dos combustíveis e mesmo com a expectativa de chuvas que melhorem o cenário hídrico, a inflação não dará trégua, exigindo a manutenção dos juros altos como medida de contenção. O Brasil segue sem fazer o dever de casa para se reorganizar e conseguir enfrentar a disparada inflacionária com mais saúde financeira e fiscal. E, na inércia em que se encontra, segue sendo o algoz daqueles que mais precisam, quem tem fome.
Este vídeo pode te interessar
LEIA MAIS
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.