Uma das imagens mais chocantes nascidas na crise sanitária no Brasil circula nas redes sociais desde a última quarta-feira (17). No registro, reproduzido logo abaixo, um idoso de 86 anos está morto, estirado no chão, onde médicos de uma unidade de saúde de Teresina tentaram reanimá-lo, pela ausência de uma simples maca. O resultado do exame PCR do homem, que não teve sua identidade revelada, ainda não foi divulgado. Independentemente da resposta, a cena é um retrato do colapso da rede hospitalar provocado pelo coronavírus, que deixa sem leitos tanto os infectados, quanto os acometidos por outros males.
No momento em que o país enfrenta uma das fases mais críticas da pandemia, com recordes de mortes, novos contágios e internações, além do risco de desabastecimento de remédios para intubação, diversos Estados têm adotado medidas restritivas para tentar evitar que episódios como o do Piauí aconteçam. É o caso do Espírito Santo, que desde a última quinta-feira (18) está sob uma “quarentena preventiva”, como definiu o chefe do Executivo capixaba, Renato Casagrande (PSB). São medidas dolorosas, mas necessárias para barrar o avanço assustador do Sars-Cov-2, com suas cepas mais virulentas.
E o que fez o líder da nação diante dos novos capítulos da tragédia brasileira diária? O que tem feito de melhor há um ano: politizar o combate ao coronavírus e surfar na onda da polarização. Em sua live de quinta, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) anunciou que o governo federal entrou com uma ação no STF para derrubar os decretos estaduais da Bahia, do Distrito Federal e do Rio Grande do Sul, que instituíram normas que limitam a circulação de pessoas e algumas atividades econômicas. A alegação é de que seriam inconstitucionais.
O que antes ficava no campo do discurso, no belicismo retórico endereçado a governadores e prefeitos, agora escalona para uma ofensiva judicial. A derrota no STF parece ser o caminho mais provável da empreitada, mas para Bolsonaro será uma derrota com sabor de vitória, porque seu principal objetivo terá sido cumprido, que é o de terceirizar a culpa pela gestão pífia da crise. Mais uma vez jogará para sua plateia cativa e usará a carta marcada de aparentar que tentou trabalhar, mas foi impedido pela Corte, pretexto que utiliza desde o início da pandemia.
O Planalto manda sinais trocados, de propósito. A ação no STF colide frontalmente com o convite feito pelo próprio Bolsonaro a autoridades do país, para uma reunião de pacificação nas estratégias de combate à crise, na próxima semana. Isso porque o chefe do Executivo nacional está encurralado entre duas forças. De um lado há a pressão política, catalisada pelo Centrão, por mudanças imediatas na condução da crise. De outro há a necessidade de manter a base que o elegeu e ainda o apoia, com forte viés negacionista.
É de olho nas eleições de 2022 que Bolsonaro nutre a polarização como tática e escamoteia o comando firme e técnico que a pandemia sempre deveria ter tido. O resultado dessa politização está refletido nas ruas de todo o Brasil, inclusive no Espírito Santo, com os flagrantes recorrentes de desrespeito às regras sanitárias e, ainda mais grave, com as burlas às quarentenas. Sem orientação clara e orquestrada desde o início, o Brasil não apenas não tem conseguido controlar o avanço do vírus, como tem visto a tragédia se intensificar. E, mesmo com quase três mil mortos por dia, tornou-se tarefa hercúlea alcançar um pacto coletivo pela vida.
Na sexta-feira (19), ao anunciar medidas econômicas, o governador Renato Casagrande reconheceu a legitimidade dos protestos contra a quarentena de parcela da população, que está preocupada com seu emprego, seu comércio, seus funcionários. “A essas pessoas peço muita compreensão. Não tenho outra coisa a fazer a não ser proteger a vida”, disse. Mas pediu que os capixabas separassem as manifestações autênticas do arrivismo de “oportunistas que aproveitam um momento de tristeza para tirar proveito político da crise”.
Há um saudável campo para o contraditório no debate sobre que decisões tomar diante da crise inédita, mas há também o caos como estratégia eleitoreira. E é nessa última postura que o Brasil tem desperdiçado energias, na singular posição de um país com dois ministros da Saúde e com uma pilha de problemas à espera de solução. Muito ajuda quem não atrapalha.
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