A Lei Seca está prestes a completar 14 anos, no próximo dia 19 de junho. Quase tão antiga quanto a legislação é a ação impetrada há 13 anos pela Associação Brasileira de Restaurantes e Empresas de Entretenimento (Abrasel) que, nesta quarta-feira (18), deve ser julgada pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
A constitucionalidade da Lei Seca na ação é questionada pela Abrasel por ferir o direito do cidadão de não produzir provas contra si mesmo, e essa parte da contestação já foi alterada na legislação nesse longo período em que a ação ficou no limbo no STF - hoje já é possível se negar a realizar o teste do bafômetro. O ponto crucial do julgamento acabou se tornando a rigidez da lei: dois anos após a promulgação da Lei Seca, a tolerância para o consumo de álcool no Brasil passou a ser zero.
Diferentemente de outros países, como Canadá, Inglaterra, França e Estados Unidos, que permitem um limite mínimo de ingestão. É isso que está em jogo no julgamento marcado para hoje, já que existe o endosso da própria Organização Mundial de Saúde (OMS), que estabelece um limite aceitável de 0,5 g/L no sangue para motoristas acima de 21 anos e abaixo de 0,2 g/L para quem tem até essa idade. Medidas que, no geral, equivalem a até dois copos de cerveja, de acordo com variações de peso e condições físicas de cada pessoa.
Há um discurso de que há a criminalização de inocentes ao se estabelecer um sarrafo no qual nenhum consumo é permitido. E a comparação com países onde essa regra é mais branda é a carta na manga. Mas é preciso olhar para o Brasil com menos benevolência: há condições de se afrouxar uma lei diante das atrocidades que continuam sendo cometidas no trânsito, com tanta gente insistindo em associar álcool e direção?
Se com uma legislação tão severa as pessoas continuam mantendo esse comportamento, se houver algum tipo de tolerância é possível que a situação saia de controle. Será o império do "posso beber mais um copinho, não vou passar do limite permitido pela lei". Tudo o que se avançou com a Lei Seca, no sentido da mudança cultural, como os motoristas da rodada e o uso de transporte por aplicativo ou táxis, terá sido um breve lampejo de mais civilidade. Um bom exemplo que durou pouco.
E precisamos ser honestos: a Lei Seca não é mais nem a sombra do que já foi. Se há dez anos era praticamente impossível não passar por uma blitz nos finais de semana, isso há muito deixou de ser rotina. Há quem diga que houve uma desmobilização com a pandemia, mas essa percepção de frouxidão vem de antes.
Em 2018, reportagem deste jornal fez um balanço dos dez anos da lei e constatou queda de quase 60% nos testes de bafômetro no Estado em um comparativo de 2015 com 2017. De lá para cá, é sensível a falta de fiscalização nas vias.
O sucesso da Lei Seca está intimamente associado à sistematização dessas operações, que certamente tem um impacto financeiro. É preciso buscar alguma saída, para que a Lei Seca volte a ter a relevância dos seus primeiros anos. Na hora de votar, os ministros do Supremo precisam ter em mente a realidade atual do país, com tantas mortes decorrentes do consumo de álcool por motoristas. Sem mais fiscalização, a tolerância zero só existe no papel.
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