O fim da Lava Jato não poderia ser mais melancólico, sem nenhum resquício de surpresa, só consternação. O definhamento era público desde a escolha de Augusto Aras para a Procuradoria-Geral da República, um prenúncio óbvio demais das intenções de se fechar o registro daquela que foi a maior ação coordenada contra a corrupção da História do Brasil.
Já há distanciamento suficiente para tal afirmação, dado o vigor investigativo da força-tarefa responsável por salvar a Petrobras de um esquema de corrupção bilionário e com inúmeros tentáculos, até mesmo internacionais. O valor da Lava Jato para o Brasil, contudo, é mensurado pela determinação de promover uma transformação ética capaz de impor limites ao patrimonialismo brasileiro, uma empreitada inédita, de forma tão organizada.
A Lava Jato provocou um incômodo sem precedentes, atingindo nomes de primeira grandeza como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha e o ex-governador Sérgio Cabral, além de grandes empreiteiros brasileiros como Marcelo Odebrecht, Léo Pinheiro e Ricardo Pessoa. As relações escusas entre os poderes político e econômico foram reveladas e esmiuçadas, expondo um balcão de negócios em pleno funcionamento na esfera pública nacional. A lista de presos e acusados é muito maior, e ao destrinchá-la, destrói-se qualquer argumento de que houve perseguição a um partido político específico. O PT pagou o preço dos seus erros, mas não foi o único.
Acordos de colaboração premiada e de leniência permitiram a devolução de R$ 4,3 bilhões aos cofres públicos. Ao todo, a previsão é de que esses acordos deverão permitir o reembolso de R$ 15 bilhões. Prestes a completar sete anos, em março, a força-tarefa acumulou 79 fases nas ruas, com o cumprimento de 1.450 mandados de busca e apreensão e outros 132 mandados de prisão preventiva. A Justiça determinou 211 conduções coercitivas. Foram 130 denúncias contra 533 acusados, com 278 condenações.
Os números são expressivos demais para serem relativizados. E isso mexeu com as estruturas de poder, tornando premente um freio. O próprio Supremo tomou decisões que enfraqueceram a força da Lava Jato, ao recuar na interpretação de que a condenação em segunda instância já seria o momento de cumprir a pena e ao acabar com conduções sob coerção. O Congresso patinou nas propostas de combate à corrupção, também tentando estancar os efeitos de um aprimoramento na lei sob sua própria conduta.
A Lava Jato trouxe um frescor investigativo em seus métodos que não poupou os antes inatingíveis, mas as práticas passaram a sofrer ataques articulados de estarem politicamente enviesadas. Não que a força-tarefa estivesse isenta de críticas, mas sobretudo no establishment político o oportunismo ficou patente. A Hidra de Lerna dava sinais de regeneração.
Jair Bolsonaro, que abraçou o lavajatismo de conveniência para se eleger, tratou de virar as costas ao menor sinal de que a sua família não estaria inviolável aos olhos investigativos. Com Sérgio Moro deixando um governo no qual nunca deveria ter ingressado, a narrativa bolsonarista de combate à corrupção se fragilizou, embora sem grandes prejuízos políticos concretos até o momento.
Bolsonaro, contudo, vem minando voluntariamente a autonomia institucional que permitiu a própria existência da Lava Jato. É um sequestro político danoso demais para o país, resultado de um conjunto de forças resistentes aos avanços provocados por ela, não somente no governo Bolsonaro.
O desmantelamento estrutural da força-tarefa, iniciado por Curitiba, foi também estratégico. Os procuradores deixarão de ter dedicação exclusiva às investigações da Lava Jato, sob justificativa do custo oneroso de se manter a estrutura atual. Com a pulverização, perde-se a força concentrada. Fica decretado assim o fim do modelo das forças-tarefas, um agrado às forças políticas que não querem obstáculos para seus malfeitos, além de uma chance oportuna de lançar Sergio Moro ao ostracismo. A maior das certezas é a de que o Brasil não ganha absolutamente nada com o adeus da Lava Jato.
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