Tanto tem se falado sobre o endurecimento da punição para o motorista que consome álcool e provoca acidentes com mortes promovido pelo novo Código Brasileiro de Trânsito nos últimos meses, e mais uma vez um condutor comprovadamente embriagado que provocou a morte de um motociclista é liberado da prisão sob fiança, causando justa indignação. Uma morte bárbara no trânsito, provocada por alguém que assumiu o risco de beber e dirigir, e um crime sem repreensão imediata.
O caso aconteceu no último domingo. O motorista José Carlos da Cruz Santos, de 30 anos, invadiu a contramão em uma avenida em Vila Nova de Colares, na Serra, e acabou atingindo o motociclista Olendino de Andrade Santos, que seguia na pista correta e morreu no local. O motorista não era habilitado e, ao fazer o teste do etilômetro, comprovou-se o consumo de álcool.
A questão, que já foi abordada neste espaço, é que a alteração emplacada na nova legislação se refere às condenações com trânsito em julgado, ou seja, quando não cabem recursos. Um processo que tende a ser cercado pela morosidade judicial, enquanto motoristas que deliberadamente provocaram uma morte no trânsito permanecem impunes. Em casos como o do último domingo na Serra, há um justo clamor pela punição sumária, mas a legislação brasileira, com seus mecanismos de presunção de inocência, ainda permite a liberdade mesmo diante de um crime tão óbvio.
O que mudou com o novo Código de Trânsito é que em casos de lesão corporal e homicídio causados por motorista embriagado ou sob efeito de outra substância entorpecente, mesmo que sem intenção, a pena de reclusão não pode ser substituída por outra mais branda, de restrição de direitos ou alternativas. Um avanço incontestável, um emblema contra a impunidade, sobretudo no caso de réus com poder econômico. Mas a presunção de inocência constitucional garante ao réu responder ao processo em liberdade.
No caso da prisão em flagrante, o delegado pode arbitrar fiança se o motorista foi autuado por um crime com pena de detenção de até quatro anos. Se o período for superior, a decisão caberá somente ao juiz, que terá um prazo de 48 horas para decidir sobre a soltura. No caso do último domingo, o motorista foi autuado em flagrante por homicídio, com pena de 5 a 8 anos de reclusão, e encaminhado para o Centro de Triagem de Viana. Ele passou por audiência de custódia no dia seguinte, onde foi concedida liberdade provisória sob o pagamento da fiança de R$ 10 mil. Todos os crimes de trânsito são afiançáveis.
Mesmo que a Lei Seca, de 2008, tenha contribuído para uma importante mudança cultural no trânsito, tornando também moral e socialmente inaceitável que um condutor assuma o volante após o consumo de álcool com punições mais duras, os flagrantes ainda são recorrentes.
Dados do Batalhão de Trânsito da Polícia Militar (BPTran) mostram que 45 pessoas foram flagradas - por etilômetro ou laudo - conduzindo veículos embriagadas na Grande Vitória de janeiro a março deste ano, enquanto outras 208 se recusaram a realizar o teste. As abordagens nas ruas, que por tanto tempo foram importantes para reprimir esse comportamento ao volante, tornaram-se visivelmente mais raras. Mesmo antes da pandemia.
A soltura sob fiança de alguém em situação tão flagrante no trânsito alimenta a sensação de impunidade, mas está dentro da lei. Enquanto não se promove uma alteração na legislação que torne esses crimes inafiançáveis, o único caminho é a celeridade da Justiça, com agilidade nos inquéritos e nas denúncias e julgamentos que não demorem anos para serem realizados. Só assim a prisão é certa, como determina o novo Código Brasileiro de Trânsito.
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