Desde quarta-feira (15), está em vigor no Espírito Santo uma lei que determina que lojas que comercializam fogos de artifício e explosivos identifiquem os clientes por meio de cadastro no ato da compra. As informações vão alimentar as polícias Civil e Militar para tentar dar fim a um recurso rotineiro do tráfico de drogas, que utiliza os foguetórios para alertar seus componentes e frustrar operações policiais.
A prática é velha conhecida das comunidades atormentadas pela atuação dos criminosos e também das forças se segurança. Desde a década de 1990, a tática que se celebrizou no Rio de Janeiro tem se espalhado pelo país, na esteira do avanço do narcotráfico por novos territórios, inclusive do Estado. Diariamente, bairros da Grande Vitória convivem com os estrondos a qualquer hora do dia ou da madrugada.
O que a ferramenta não tem de sofisticada, tem de eficaz. Até o momento, no entanto, o Espírito Santo não dispunha de meios para coibir a estratégia, uma vez que a única restrição à venda de rojões era para menores de 18 anos. Pelas novas regras, o cadastro nas lojas deverá conter CPF, RG e o endereço de cada cliente, informações que serão encaminhadas às polícias imediatamente após a venda.
Não é uma bala de prata, mas é um primeiro passo para interromper a comunicação entre grupos criminosos. De quebra, pode ter o condão de amenizar outra triste realidade, que é a escalação de crianças para o posto de fogueteiros, como são chamados esses informantes, a porta de entrada na hierarquia do tráfico.
A ideia não é criminalizar quem compra fogos de artifício, mas abastecer os setores de inteligência das polícias, ao detectar quem adquire em larga escala e mapear o fluxo do material. “Queremos identificar quem está comprando, o que está comprando, a mando de quem”, comentou o secretário de Estado da Segurança Pública, Alexandre Ramalho, um dos entusiastas da nova legislação.
Além das linhas gerais do que será exigido na compra, ainda não há detalhes de quando o banco de dados estará em operação e como será realizada a investigação a partir dos indicativos coletados. Uma facção pode cooptar dezenas de laranjas para a aquisição dos fogos de artifício, por exemplo. Também não há definição sobre fiscalização nos estabelecimentos, que podem ser ameaçados ou aliciados a vender os produtos na ilegalidade, algo que organizações criminosas conhecem bem. Drogas e armamentos de uso exclusivo não são apenas alvos constantes de fiscalização, como também são proibidos, e o Brasil ainda não consegue impedir que cheguem às mãos dos traficantes.
É sobre essa regulamentação que o Estado precisa se debruçar agora para que o novo regimento não se transforme apenas em um espetáculo de pirotecnia - chamativo, mas inócuo. Mesmo que inteligência e fiscalização sejam infalíveis, o poder público ainda precisa estar preparado para o fato óbvio de que a criminalidade pode apenas mudar de estratégia, migrando dos fogos de artifício para grupos de WhatsApp e radiocomunicadores, já presentes na rotina dos envolvidos com o comércio de entorpecentes. Bandidos, que não são conhecidos pelo apreço à vida alheia, também podem simplesmente substituir foguetórios por rajadas de metralhadoras.
A Secretaria de Segurança Pública tem adotado estratégia acertada na desarticulação das cadeias de comando do tráfico, especialmente nos últimos meses, com o aumento expressivo das operações policiais. Qualquer tentativa de coibir a comunicação entre criminosos é bem-vinda, mas é preciso o mesmo nível de argúcia empregada na captura dos líderes das facções para que a nova estratégia não seja vista, infelizmente, como muito barulho por nada.
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