Lei precisa se impor com letras garrafais para vencer facções do tráfico

Janeiro registrou mais de cem homicídios no Estado; somente em Cariacica, foram 20 mortes. Crescimento está relacionado com disputas de criminosos no comércio de entorpecentes

Publicado em 02/02/2021 às 02h00
Atualizado em 02/02/2021 às 02h03
Balas
Munição de armas: número de homicídios em janeiro chegou a 110. Crédito: Pixabay

Janeiro de 2021 não foi só um mês de temperaturas altas. O período foi marcado também pelo aquecimento da violência no Espírito Santo, com o número de homicídios ultrapassando a marca dos cem, registrando um aumento de 15,79% nos crimes dolosos em relação ao primeiro mês do ano passado. 

O ano já começou desafiando a segurança pública e acendendo um sinal de alerta. O enfrentamento da criminalidade dependerá de estratégias eficientes das autoridades estaduais e municipais, diante de um cenário de movimentações das organizações criminosas na Grande Vitória.

O mapa do crime já vem sendo desenhado há algum tempo com base em informações coletadas por serviços de inteligência. Os dados de janeiro apontaram para um crescimento substancial dos homicídios em Cariacica: em 2020 foram seis registrados, enquanto em 2021 esse número chegou a 20.

Contudo, os gestores da segurança pública não estão no escuro, já existe uma radiografia que aponta a relação dessa piora com a influência cada vez maior do Primeiro Comando de Vitória (PCV), que domina a região de Bairro da Penha, sobre gangues do tráfico no município vizinho, como foi mostrado em reportagem deste jornal no domingo (31). Vitória, nesse contexto, também teve um janeiro mais violento do que o de 2020, subindo de duas para seis mortes. Vila Velha e Serra, por outro lado, tiveram quedas consideráveis.

O que está havendo na Grande Vitória é a expansão dos negócios do tráfico, o que permite inclusive analogias empresariais. A facção criminosa com base em Vitória amplia seus domínios sobre áreas de comércio de entorpecentes em Cariacica para aumentar suas receitas. Quando o tráfico do local é dominado com a ajuda do PCV, os traficantes de Cariacica se comprometem a vender a droga fornecida pela facção e repassar lucros, como uma franquia do crime. A diferença crucial em relação aos negócios lícitos é que essa expansão de mercado está sempre associada ao assassinato de lideranças e soldados do tráfico. É a morte que demarca território.

Dois episódios sangrentos em Vitória entre os meses de setembro e outubro do ano passado reforçam a crueldade dessa dinâmica do tráfico de drogas. Em uma segunda-feira no fim de setembro, quatro jovens foram mortos em uma emboscada, ao fim da tarde, em uma ilha na Baía de Vitória, diante do bairro Santo Antônio, na Capital. No domingo seguinte, um carro foi metralhado em plena luz do dia, no Centro de Vitória, com a execução de dois dos ocupantes. 

A Polícia Civil informa que no Morro do Quiabo, em Cariacica, atua uma facção rival do PCV, sob a liderança de Vinícius Domingos Lopes, o Cara de Vaca. O criminoso já possui mandando de prisão em aberto por homicídio, inclusive por participação da chacina da ilha de Santo Antônio. Desenrolar esses novelos e entender essa dinâmica é crucial para a imposição da lei e a libertação dessas áreas do júbilo do tráfico de drogas. A esta altura, com o número de mortes em crescimento, as forças policiais têm de agir com energia e eficiência. 

Vale reforçar que em Cariacica há a atuação dos programas Estado Presente, do governo do Espírito Santo, e do Em Frente, Brasil, do governo federal. No Brasil,  foi uma das cinco cidades a receber 80 militares da Força Nacional e um repasse de R$ 200 milhões, em agosto de 2019.

É oportuno que se conheçam as falhas, o que deu errado. Porque o enfrentamento da criminalidade só dá resultados perenes com ações no atacado. O varejo é necessário, mas acaba sendo pontual, sem efeitos macrossociais.

De um lado, é fundamental a imposição do Estado, que precisa se fazer presente trazendo a lei em letras garrafais. Com operações que reprimam o crime, com prisões que sejam significativas para desestabilizar as facções, com força investigativa. Do outro, garantindo a infraestrutura associada à segurança, como Iluminação pública, pavimentação, saneamento básico... e, claro, educação, saúde e lazer. Melhorias no ambiente social são fundamentais e civilizatórias, um freio para a criminalidade. 

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