Bem mais do que a tristeza pela derrota do Brasil na Copa do Mundo Feminina, o episódio a se lamentar profundamente na última semana foi a reação homofóbica de um jogador do Rio Branco à eliminação da seleção, com ataques direcionados à jogadora Marta e a esposa dela. O clube capixaba publicou no mesmo dia uma nota de repúdio ao comportamento do jogador, comunicando o seu afastamento.
Por mais sem sentido que tenham sido os argumentos do jogador, é sempre um discurso perigoso, porque prega a condenação. São mais do que meras palavras ao vento, que ferem não somente o alvo do ataque, mas um universo de pessoas que por muito tempo foram alijadas da sociedade e hoje lutam pelo direito de existir como são. São palavras que carregam a violência que infelizmente ainda se materializa em agressões físicas, estupros e mortes.
Só para se ter uma ideia de como a violência contra pessoas LGBTQIAPN+ ainda é realidade, o Espírito Santo é o Estado em que houve o maior crescimento no número de mortes (350%) do país em 2022, na comparação com o ano anterior, segundo dados da 17ª edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública.
As agressões explodiram no mesmo período, com um aumento de 90% no Estado. Os casos de estupro cresceram 171,4%. Os discursos LGBTfóbicos são a base dessa violência, por contaminar o senso comum e construir um ambiente no qual ela é normalizada. A transformação que se espera da sociedade é cultural, de respeito à existência das pessoas independentemente de sua sexualidade ou gênero.
Cada ataque sofrido por uma pessoa pública, como Marta, reverbera entre as pessoas comuns que se identificam com ela. Isso tem impacto na saúde mental: estudos internacionais mostram, por exemplo, que cerca de 52% dos jovens LGBTQIAPN+ já se automutilaram, contra 35% de jovens cis héteros. Como encontrar o próprio lugar no mundo e a autoaceitação com tanto ódio sendo disseminado?
Para piorar, o futebol ainda é um universo machista, que ecoa preconceitos demais. O esporte praticado por mulheres vem superando as resistências, mas suas jogadoras continuam alvo de preconceito.
Na Copa feminina deste ano, pelo menos 94 jogadoras inscritas fazem parte da comunidade LGBTQIA+, de acordo com levantamento da Outsports, site que reúne atletas que se declaram gays, lésbicas, bissexuais ou trans. O número é maior do que qualquer outro torneio organizado pela Fifa. Ou seja, qualquer um que se declare "profeta" e associe vitórias ou derrotadas à sexualidade das jogadoras não está fazendo nada mais do que charlatanismo.
O futebol feminino, com toda a sua diversidade, veio para ficar. Queiram ou não.
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