Mãe e filha vítimas de feminicídio no ES: tragédia não é mera coincidência

Morte de Ana Clara, adolescente cuja mãe também foi assassinada em 2009 em circunstâncias de feminicídio, mostra como a violência contra a mulher perpassa o tempo sem ser efetivamente contida

Publicado em 24/08/2022 às 02h00
Feminicídio
Ana Clara Amorim, de 14 anos, foi morta a tiros pelo ex-namorado, Joelson Silva de Souza, de 18 anos. Crédito: Acervo pessoal

A repetição da tragédia, como uma sina. No início deste mês, Ana Clara Amorim, uma adolescente de 14 anos, foi assassinada a tiros pelo ex-namorado Joelson Silva de Souza, de 18 anos, que não aceitava o fim do namoro. O que já seria isoladamente perturbador, sobretudo pela idade da jovem, ficou ainda mais impactante quando se soube que a mãe da garota, em 2009, foi morta também em um episódio de feminicídio. 

Mas não dá para colocar a responsabilidade no destino ou no acaso. Esse caso retrata como a violência ronda a vida das mulheres, em relacionamentos abusivos nos quais os homens se consideram donos delas. Pode acontecer mais de uma vez na mesma família, na mesma rua, no mesmo bairro, na mesma cidade. está sempre à espreita. A coincidência é trágica, mas se for trata como mera coincidência reduz o peso de um problema que parece sem solução. E cruzar os braços não é uma opção.

No Espírito Santo, a morte de mulheres em função do gênero faz inconvenientemente parte da paisagem. Levantamento com dados referentes a 2021 mostram que a cada três dias, uma mulher é assassinada no Estado. Desses três assassinatos, um é classificado como feminicídio. A vulnerabilidade feminina é incontestável, comprovada pelas estatísticas. E o perigo quase sempre está muito próximo, dentro de casa.

Lei Maria da Penha, Lei do Feminicídio, medidas protetivas, botão de pânico: há um arsenal legislativo e de políticas públicas mobilizado nas últimas décadas em defesa das mulheres, com cada vez mais holofotes para o problema. Mas suas raízes estruturais são daninhas. O combate ao machismo ainda perde as batalhas mais importantes, quando uma mulher é ferida ou morta. Na noite de domingo (21), mais uma vítima: uma mulher foi morta com um tiro na cabeça dentro de casa na zona rural de Pancas. O principal suspeito é o ex-namorado dela.

A cultura do machismo também se fortalece em leis arcaicas que ainda a sustentam. Por isso, é tão importante que a legislação se atualize.  Em julho, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado aprovou projeto de lei que veda o uso da tese de legítima defesa da honra para absolver acusados de feminicídio. A alteração no Código Penal e no Código de Processo Penal é um avanço jurídico, para acabar com o uso de valores morais  para beneficiar quem comete violência contra a mulher

Não é destino, não é sina: mulheres continuam sendo assassinadas pela visão distorcida de homens sobre o papel de cada um nos relacionamentos. O machismo pode ser derrotado com conscientização, mas é quando as estruturas da sociedade são mudadas, com políticas públicas e leis mais eficientes, que suas raízes são arrancadas.

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